São Paulo, segunda-feira, 24 de agosto de 2009

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Ator de “Bastardos” afinal alcança a glória

Por DENNIS LIM

Quando o ator austríaco Christoph Waltz subiu ao palco do Festival de Cannes, em maio, para receber o prêmio de melhor ator por seu papel de um coronel da SS em “Bastardos Inglórios”, abandonou o tom pomposo dos discursos com uma declaração direta e tocante. Com a voz embargada, Waltz dirigiu-se ao diretor Quentin Tarantino e disse: “Você me devolveu minha vocação”.
Do ponto de vista de Tarantino, foi um bom negócio. “Ele nos devolveu nosso filme”, afirmou recentemente o cineasta por telefone, da Austrália.
Na entrevista coletiva que concedera anteriormente em Cannes, Tarantino insistiu que não teria feito “Bastardos Inglórios” (que estreia no Brasil em 23 de outubro) se não tivesse encontrado o ator ideal para interpretar Hans Landa.
Pelo telefone, ele explicou: “Eu sabia que Landa era um dos melhores personagens que já escrevi, e provavelmente um dos melhores personagens que jamais escreverei”. Ele testou diversos atores para o papel (que exigia fluência em alemão, inglês e francês), mas, embora a maioria fosse perfeitamente competente, “eles não entendiam minha poesia”. “Eu literalmente tive de considerar que poderia ter escrito um papel ininterpretável.”
Pode soar como bravata, mas há bons argumentos para considerar o coronel Landa como a criação máxima de Tarantino. Trata-se de um vilão de história em quadrinhos surpreendentemente multifacetado: um sádico genial, um interrogador opressivamente educado, um poliglota hiperarticulado cuja destreza verbal é sua arma mais assustadora.
Brad Pitt, como o líder de uma brigada norte-americana de assassinos de nazistas, é o “bastardo-chefe” e o nome destacado nos cartazes, mas é Waltz, como notaram muitos críticos em Cannes, que domina o filme.
No que diz respeito a Waltz, 52, a meia-idade não é uma má hora para um marco na sua carreira. “Ajuda ter cumprido pena”, disse ele recentemente num jantar em Manhattan, referindo-se à sua carreira longa, repleta, mas não particularmente recompensadora em papéis secundários, especialmente na TV alemã.
Waltz admitiu que ficou inicialmente intrigado pelo roteiro de Tarantino, que tem cinco capítulos repletos de conversas sinuosas que serpenteiam por uma série de blefes, guinadas e jogos mentais. “Fiquei completamente perplexo com ele, tendo sido condicionado a essas estruturas numa fórmula em três atos”, afirmou ele. “E eu tinha à minha frente essa coisa que deixa tudo isso em frangalhos.” “Eu ficava me perguntando: como esse homem alcança tantas camadas de realidade?”, disse Waltz. E, então, ele apresentou uma analogia útil: “É como um quantum de luz, como ele pula de uma realidade para a seguinte, então batizei isso de ‘salto de Quentin’. É a física de Quentin”.
Em Cannes, alguns questionaram o bom gosto de “Bastardos Inglórios”, uma violenta fantasia sobre a vingança que, como Tarantino colocou animadamente na entrevista coletiva, usa o poder do cinema para “derrubar o Terceiro Reich”.
Orgulhosamente criado como uma maluca história paralela, “Bastardos Inglórios” começa com uma invocação ao estilo dos contos de fadas: “Era uma vez… na França ocupada pelos nazistas”.
Mas Waltz disse que “‘era uma vez’ não significa que não se deve levar a sério, se você já leu ‘A Psicanálise dos Contos de Fadas’”, clássico estudo do psicanalista austríaco Bruno Bettelheim. “A questão não é transportar o mundo dos nazistas para o terreno do irreal, mas para o terreno dos nossos desejos e medos inconscientes”, acrescentou.
Se quisesse, Waltz provavelmente poderia enveredar por uma lucrativa carreira interpretando vilões europeus nos “thrillers” de Hollywood. Mas, como disse ele, “estou aberto a trabalhar em qualquer lugar, mas não em qualquer coisa”. Atualmente, ele se decide entre três roteiros. “Essa é a coisa boa disso tudo: ter escolhas”, disse.
Ao mesmo tempo, percebe que ficou mimado com sua experiência em “Bastardos”, que oferece a rara combinação de um diretor generoso e um papel desafiador. “Isso é a física de Quentin para você. Será difícil voltar à física regular dos corpos sólidos.”


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