São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2011

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Protestos tomam ruas de Uganda

Por JOSH KRON

CAMPALA, Uganda - Sam Katende enxuga a testa enquanto uma nuvem de vapor sobe da frigideira em direção ao seu rosto.
Esse negócio costumava ser muito mais fácil, servir ovos enrolados -ou "Rolexes", como é conhecido aqui esse apreciado e onipresente lanche- por cerca de US$ 0,33 cada. Mas, como diz Katende, "a vida mudou".
A economia de Uganda está em um turbilhão e os preços de tudo, das bananas ao óleo diesel e ao carvão que Katende usa para cozinhar, pelo menos duplicaram nos últimos meses. O xelim ugandense é uma das moedas de pior cotação no mundo em relação ao dólar este ano,e a crise conômica está alimentando um movimento de protesto inspirado na Primavera Árabe que se tornou o mais longo na África subsaariana.
Muitos ugandenses dizem que seu governo é corrupto e que o presidente Yoweri Museveni, no poder há 25 anos, não se importa com as mazelas da população.
O governo, em resposta, acusou líderes de oposição de tirar vantagem dos problemas financeiros. A oposição organizou protestos em abril, e desde então advogados, professores, motoristas de táxi e comerciantes realizaram diversas greves e demonstrações. As forças do governo reprimiram violentamente, matando pelo menos nove manifestantes desde abril e detendo centenas deles.
"Nós compreendemos que há muita insatisfação", disse um porta-voz do governo, Tamale Mirundi. Mas, segundo ele, Uganda "não deve ser governada por pesquisas de opinião pública".
A economia vacilou sob os crescentes preços das matérias-primas globais, especialmente o petróleo. Como um país sem saída para o mar, Uganda sente uma pressão adicional desses custos do combustível, que por sua vez fazem aumentar o preço de muitos produtos importados. Suas exportações tiveram um fraco desempenho, dizem analistas, enquanto o governo se concentrou principalmente em setores domésticos como construção e serviços públicos.
Os defensores do governo dizem que ele tem uma filosofia de livre mercado e prefere deixar os preços das matérias-primas subirem em vez de regulamentá-los e inadvertidamente provocar um mercado negro.
"Existe um desequilíbrio estrutural interno", disse Fred Muhumuza, um assessor do Ministério das Finanças de Uganda. "Ele amplifica os preços."
Nenhum lugar exiba mais as frustrações que o mercado Kiseka, no centro de Campala, a capital. É uma cidade dentro da cidade, um labirinto de chaveiros, engraxates, mecânicos e cozinheiros.
"Você conhece essa estrutura", disse Joseph Kiggundu, um mecânico de 23 anos. "As pessoas que são ricas são muito ricas, e as que são pobres são muitas, muitas."
"É por isso que você vê protestos de rua", ele disse.
Katende não é um manifestante, mas se diz simpatizante.
Seus Rolexes (dois ovos enrolados em uma panqueca) não são apenas um lanche rápido; são um verdadeiro indicador para a economia local. Em abril, Katende disse que vendia cem Rolexes por dia. Hoje vende apenas 20.
Não há dúvida de que este país percorreu um longo caminho desde os dias assassinos de Idi Amin. O presidente Museveni conteve uma rebelião do Exército de Resistência do Senhor e abriu o país para o investimento estrangeiro e a ajuda ao desenvolvimento, tornando-se um dos mais próximos aliados dos EUA na África.
Guindastes erguem arranha-céus pela cidade. Astros de hip-hop americanos dão shows. Regionalmente, o país goza de influência crescente e forneceu soldados da paz para a Somália. Em um continente onde os governantes são ícones do Estado, o sucesso de Uganda colocou o presidente Museveni sob os refletores.
"Ele olha para seus colegas chefes de Estado africanos e não vê equivalente", segundo um telegrama diplomático de 2007 publicado pelo WikiLeaks. "Ninguém com seu intelecto, visão, impulso e poucos com sua longevidade."
Mas há fissuras. A corrupção e o desperdício permeiam uma sociedade mergulhada na negligência. Enquanto o governo desfruta de recém-adquiridos aviões de caça e teleguiados espiões, as estradas estão cheias de crateras. Campala sofre blecautes seguidos, em parte porque o governo não pagou suas contas de combustível.
A confiança na liderança local encolheu a tal ponto que um imigrante irlandês foi recentemente eleito para um cargo de vereador em uma cidade importante exatamente por ser um estrangeiro, segundo alguns eleitores.
As políticas de Museveni ajudaram Uganda a se modernizar, mas também trouxeram o Facebook e a TV satélite para os ugandenses, que acompanharam a Primavera Árabe e os africanos mais ao norte derrubando seus líderes.
Robert Sempa, um consultor de desenvolvimento profissional, disse: "O que aconteceu naquelas regiões nos dá inspiração".


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