São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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DINHEIRO & NEGÓCIOS

Febre consumista sofre freada brusca nos Estados Unidos

DAVID LEONHARDT

O pânico em Wall Street diminuiu, e os bancos ficaram um pouco mais dispostos a emprestar. Mas, de repente, a sociedade americana está consumindo bem menos. Os gastos com consumo provavelmente cairão em 2009 pela primeira vez desde 1980 e talvez sofram a maior retração desde 1942.
Como o gasto com consumo representa mais de 70% da atividade econômica dos EUA, a crise de confiança dos consumidores tornou-se a questão mais imediata para a economia do país. Ninguém duvida de que as famílias americanas precisam começar a economizar mais do que nas duas últimas décadas. Mas uma mudança muito repentina de comportamento pode ser dolorosa demais.
Se a redução do consumo persistir, há potencial para um círculo vicioso, no qual a queda de gastos e as demissões se alimentam mutuamente. “É uma época assustadora”, disse Liz Allen, 29, estudante de enfermagem em Atlanta. “A preocupação pode piorar a economia. Se as pessoas se preocupam demais, não gastam tanto dinheiro. Já vimos isso acontecer.”
Não está claro o que é possível fazer contra as atuais preocupações. O presidente eleito Barack Obama propõe um pacote de estímulo que compensaria parte da retração do consumo. Ele e seus assessores também tentarão fortalecer o grau de confiança, projetando ao mesmo tempo calma e disposição em serem economicamente mais agressivos que o governo Bush.
Mas o pacote de estímulo em discussão injetaria apenas US$ 150 bilhões em novos gastos públicos. A diferença entre um ano bom e um ano péssimo no comércio é de cerca de US$ 400 bilhões. E 2009 deve se mostrar um ano lamentável. O consumo americano, durante tanto tempo visto como último recurso da economia global, pode finalmente estar esgotado.
Já ouvimos tais alertas antes, eu sei. Os economistas passaram anos prevendo uma séria retração no consumo e isso não aconteceu. “Nunca subestime o consumidor dos EUA”, diz o clichê de Wall Street. Como a maioria dos clichês, esse também tem algo de verdade. Os norte-americanos gostam de comprar e, em geral, não passam muito tempo pessimistas.
Andrew Kohut, presidente do Pew Research Center, lembrou que as suas recentes pesquisas mostraram um forte crescimento no número de pessoas que pretendem cortar gastos —mas também um claro aumento das que prevêem melhorias econômicas no prazo de um ano. “O que a economia norte-americana tem a seu favor é o otimismo inato do público”, afirmou ele.
Uma recente pesquisa Gallup indicou que a confiança do consumidor cresceu ligeiramente depois da eleição. Com base na história recente, é fácil imaginar que a tendência vá continuar e que os gastos em breve irão se recuperar.
Em contrapartida, o ano que passou comprova que não devemos pressupor que algo não vai acontecer simplesmente porque não aconteceu recentemente. E a realidade econômica aponta para uma profunda recessão no consumo.
Comecemos pelo nível de emprego. Ele “já parece estar pior do que em qualquer momento durante as recessões do começo da década de 1990 ou do começo da década de 2000”, segundo Lawrence Katz, ex-economista-chefe do Departamento do Trabalho dos EUA. O desemprego é superior ao que a taxa oficial indica e está subindo. A renda, que para a maioria das famílias mal acompanhou a inflação na última década, agora está em queda.
A próxima questão é até quanto dessa renda as pessoas vão despender. Entre as décadas de 1950 e 80, os americanos gastavam em média 91% da sua renda e guardavam o resto. Nos últimos anos, gastavam quase 99% e poupavam apenas cerca de 1%.
Isso simplesmente não pode continuar. Por um lado, as pessoas precisam saldar suas dívidas. Por outro, a psicologia do gasto e da poupança pode estar mudando. Depois da pior bolha imobiliária já registrada e de uma das três piores retrações do mercado em um século, os americanos estão provavelmente percebendo que nem sempre podem depender do eterno crescimento dos valores imobiliários e das Bolsas para chegar ao fim do mês.
Os economistas agora tentam prever quando as pessoas voltarão a poupar, mas são essencialmente chutes. Uma taxa de poupança de cerca de 3% parece plausível, e é isso que alguns especialistas projetam.
Com essa taxa, o consumo cairia cerca de 1% no ano que vem. Com relação aos aumentos típicos dos últimos anos, isso representaria US$ 400 bilhões a menos no consumo. Para encontrar um pacote de estímulo tão grande, seria preciso ir a Pequim.
Como costuma dizer Joshua Shapiro, da consultoria econômica nova-iorquina MFR, o consumidor dos EUA rapidamente deixou de ser a maior força da economia mundial para se tornar o seu elo mais fraco.

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