São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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Indianos resgatam línguas e tradições de seus povos

Por ANAND GIRIDHARADAS

TEJGADH, Índia - Numa academia na zona rural do oeste da Índia, cinco estudantes escreviam em cadernos pautados. Tinham 20 e poucos anos e iniciaram seu trabalho havia pouco tempo, mas não havia como ignorar a importância do que faziam: quando seu trabalho for concluído, o mundo terá mais cinco línguas documentadas.
Uma palavra por vez, os estudantes estão redigindo dicionários das línguas que cresceram falando, mas que praticamente não existem no resto do mundo. São as línguas orais, cujos sons possivelmente nunca antes foram reproduzidos na forma escrita.
“Se fizermos estes dicionários, outros que vão nos seguir vão se beneficiar”, disse Kantilal Mahala, 21, fazendo uma breve pausa em seu trabalho sobre a língua kunkna. “Em meu povoado, as pessoas que subiram na vida só falam gujarati. Elas sentem vergonha de nossa língua.”
Não são apenas línguas obscuras que esses estudantes procuram registrar e preservar, mas também culinárias, tradições de vestimenta e outros elementos significativos da cultura rural. Os estudantes vêem todas as outras pessoas indo no sentido contrário. Uma classe crescente de aspirantes indianos de pequenas cidades e vilarejos como Tejgadh vê a vida urbana e a língua inglesa como caminhos para a riqueza, a segurança e o respeito.
Não fosse por Ganesh Devy, ex-professor de literatura inglesa que fundou a academia há mais de dez anos, os jovens desta comunidade rural talvez tivessem seguido esse caminho. Devy criou a escola, conhecida como Academia Adivasi, com uma pergunta urgente em mente: “Por que esperamos até culturas morrerem para então escrever suas memórias?”.
“Todo um continente cultural está sendo submerso. Por isso decidi me lançar neste projeto”, disse Devy. Com financiamento da Fundação Ford e outros grupos filantrópicos, a Academia Adivasi procura preservar culturas, mergulhando uma nova geração de moradores de vilarejos em suas próprias tradições em rápido processo de desaparecimento.
Tejgadh abriga um ramo da imensa população indiana de “adivasis”, ou “povos originais”. Às vezes comparados aos indígenas americanos ou aos aborígines australianos, os “adivasis” são altamente fragmentados e têm quase tantas línguas e culturas quanto clãs. Mas existem elementos em comum entre eles.
Os clãs tradicionalmente habitam áreas de montanha ou floresta, onde, originalmente, viviam como nômades, da caça e da coleta. São conhecidos por respeitar a natureza, por seus xamãs e curandeiros, por adorarem elefantes e árvores em lugar de deuses abstratos, pelo amor à arte e a ausência de interesse no acúmulo de bens materiais.
Vikesh Rathwa, 27, formou-se há dois anos e, como a maioria dos membros da academia, optou por permanecer no vilarejo e trabalhar para a Bhasha, a organização “mãe” da academia.
“Antes, eu achava que faria bacharelado e mestrado e depois um filme”, disse ele. Mas a imersão em suas próprias tradições o fez mudar de idéia. “Precisamos andar de mãos dadas com nossas tradições”, explicou, acrescentando rapidamente: “Mas também com a tecnologia”.


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