São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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Indígenas se transformam em produtores de chocolate

Cooperados passaram de agricultores a empreendedores

Por JILL SANTOPIETRO

Numa ilha do rio Napo, na Amazônia equatoriana, incomuns produtores de chocolate vivem numa cabana com telhado de zinco, montada sobre palafitas.
César e Magadalena Dahua plantam cacau, além de abacaxis, baunilha, abacates, mandioca, café, laranjas e bananas-da-terra. Enquanto cortam os frutos dos cacaueiros, suas três filhas mais novas correm pela área, descalças. As meninas chupam a polpa branca e viscosa que envolve as amêndoas do cacau.
Para os quéchua, como o casal Dahua, que fazem parte dos 2,5 milhões de integrantes do maior grupo indígena da América do Sul, o cacau sempre foi um deleite —a polpa é usada para produzir um doce ácido, e a amêndoa roxa, moída e misturada com água quente e açúcar, tomada como um chocolate quente rústico.
Mas as amêndoas eram vistas sobretudo como commodity, vendidas a mais de 40 centavos o quilo a homens que as levavam ao porto de Guayaquil. De lá, eram embarcadas para várias partes do mundo para ser convertidas em chocolate.
Os quéchua, porém, se cansaram de ganhar tão pouco com um produto tão valorizado. Com a ajuda de voluntários, eliminaram os intermediários e criaram seu próprio chocolate. Agora, as barras de chocolate Kallari, cujo nome é o da cooperativa que os produtores formaram, estão sendo vendidas em toda parte nos EUA.
A cooperativa usa um misto das variedades de cacau que crescem no território quéchua —a Cacao Amazónico, a Criollo, que tem consistência de nozes, a Forastero Amazónico, a Tipo Trinitario e a mais importante e rara: a Cacao Nacional.
“Elas têm sabor e cheiro próprios”, disse Tomas Keme, especialista suíço em chocolate que atua como consultor da cooperativa Kallari, sobre as amêndoas da variedade Cacao Nacional.
As barras de chocolate de 75 gramas, com teor de cacau de 75% e 85%, são vendidas nos EUA por até US$ 5,99 cada.
Para se tornarem produtores de chocolate, os quéchua antes tiveram que decidir que queriam ser mais do que apenas agricultores. Mas lhes faltavam conhecimento e experiência. “Queríamos mudanças, mas não tínhamos capital, nem ninguém que confiasse em nós”, contou o diretor de marketing da Kallari, Carlos Pozo.
Até que, em 1997, conheceram a americana Judy Logback, voluntária de uma fundação que promove a biodiversidade no Equador. Logback primeiro os ajudou a levar suas amêndoas até Guayaquil, a mais de 400 km. “Recebemos ameaças de que os intermediários iam roubar ou seqüestrar nossos caminhões”, contou Pozo.
“Nos primeiros anos, a Kallari era tão unida que os intermediários viram que não conseguiriam quebrar essa união.”
Ao receber cerca de US$ 1 por quilo das amêndoas em Guayaquil, os indígenas viram seus lucros com o cacau mais do que dobrar. Quatro anos mais tarde, criaram a cooperativa Kallari, que, na língua quéchua, significa tanto “começar” quanto “os primeiros tempos”. O nome parecia apropriado, disse Pozo: “No presente, estamos valorizando nosso passado”. A cooperativa hoje abrange cerca de 850 famílias.
À medida que sua confiança foi crescendo, eles passaram a enviar e-mails a fabricantes de chocolate nos EUA. Atraíram a atenção de Robert Steinberg, fundador da fábrica de chocolate Scharffen Berger, na Califórnia. Mas Steinberg disse que, para que pudesse usar as amêndoas, elas precisariam ser corretamente fermentadas, um processo que intensifica seu sabor e reduz a adstringência.
Judy Logback contratou Jorge Ruiz, que tinha trabalhado numa cooperativa de cacaueiros no litoral, para ensinar os quéchua a fazer a fermentação.
Em outubro de 2004, Steinberg fez uma barra de chocolate com as amêndoas da Kallari e ajudou seus membros a apresentá-la em uma conferência em Turim, na Itália. Inspirados pelo sucesso, Logback e Pozo sugeriram à cooperativa que começasse a produzir chocolate.
Em 2007, Stephen McDonnell, executivo-chefe da empresa de alimentos orgânicos Applegate Farms, criou a Kallari Chocolate Company, na qual aparece como proprietário para fins de seguro e passivo. Todos os lucros, porém, voltam para a cooperativa Kallari. “O povo da Kallari tem orgulho de suas fazendas e está transferindo esse orgulho a suas barras de chocolate”, disse McDonnell.

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