São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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NOSSA FORMA DE COMER

Pomar caseiro ajuda a alimentar carentes

Por PATRICIA LEIGH BROWN

BERKELEY, Califórnia - Natasha Boissier não esperava ter uma idéia revolucionária enquanto levava seu bebê para passear no bairro onde mora. Mas, olhando para os quintais de seus vinhos, ela começou a observar a abundância de árvores frutíferas —e o volume de frutas suculentas que acabavam no chão.
“Havia tantas frutas sendo desperdiçadas”, disse ela, falando das maçãs, peras e ameixas que a cercavam. “Pareceu uma maneira tão natural de combater a fome.”
Assim nasceu a organização Colheita do Norte de Berkeley, parte de um movimento pequeno mas crescente de colhedores de frutas de quintais que voluntariamente colhem frutas excedentes e as doam a bancos de alimentos, centros para idosos e outras organizações sem fins lucrativos.
Numa era em que preparar frutas em conserva já deixou de ser uma atividade corriqueira, colhedoras como Boissier, assistente social de 40 anos, vêm transformando o conceito antigo dos pomares. Uma ênfase renovada sobre os alimentos orgânicos de cultivo local, somada à alta dos preços dos alimentos e ao aumento da demanda nos bancos de alimentos, vem inspirando muitas pessoas a buscar soluções em seus próprios quintais.
“As feiras de produtores são ótimas para quem pode pagar US$ 2 por um pêssego”, disse Aviva Furman, 54 anos, que há um ano criou a organização Colheita Comunitária do Sudoeste de Seattle. “Mas uma parcela enorme dos americanos não tem condições econômicas para consumir as duas xícaras diárias de frutas recomendadas pelo governo.”
O conceito de dar à população carente uma parcela do que é cultivado nas plantações remete às culturas da antigüidade. Agora ele está sendo retomado por pessoas como Joni Diserens, 43 anos, gerente de programas da Hewlett-Packard e fundadora da Village Harvest (Colheita na Aldeia), no Vale do Silício.
Ela usa bancos de dados e sistemas de resposta telefônica à distância para rastrear cerca de 700 voluntários, 40 organizações receptoras, mil proprietários de casas que têm árvores frutíferas e, numa terça-feira recente, 350 quilos de ameixas.
A organização ajuda pessoas como Diane Leone, em cuja casa em San José, Califórnia, há cerca de 40 árvores frutíferas, a salvar as frutas caídas no chão de abelhas, esquilos e outros animais. “Você se sente fazendo algo útil. Colhe uma fruta e sabe que alguém vai comê-la”, comentou a voluntária Diana Foss, 44 anos, enquanto separava ameixas no quintal de Leone.
Os voluntários motorizados do grupo vão a lugares como a Agência de Serviços Comunitários em Mountain View, que opera um centro de distribuição de alimentos. “Eles ligam e dizem ‘estamos indo a um pomar em San José’. E então chegam com 500 quilos de ameixas”, disse Laura Schuster, diretora de nutrição da agência.
Nos últimos dez anos, grupos como a ONG Feeding America (Alimentando a América), vêm introduzindo mais alimentos frescos, para combater os altos índices de obesidade e a falta de acesso à comida nutritiva nos bairros pobres. Cerca de 8 milhões de quilos de alimentos frescos eram distribuídos em todo o país há dez anos, disse Rick Bella, diretor de compras de alimentos da agência. Neste ano, esse volume subiu para 68 milhões de quilos, dos quais 30% doados por empresas e agricultores individuais.
Mas o preço continua a ser um problema, disse ele, e é aí que entram os colhedores benevolentes. “É lamentável, mas um pacote de Twinkies (bolinho doce recheado) custa menos por quilo do que um quilo de maçãs frescas”, disse ele. “Os colhedores de quintal fazem diferença.”
As iniciativas lembram os Pomares da Vitória da Segunda Guerra Mundial, quando o racionamento obrigatório de alimentos nos EUA resultou na criação de hortas de cidadãos, comentou Amy Bentley, professora associada de estudos da alimentação na Universidade de Nova York e autora de “Eating for Victory” (comendo pela vitória). Durante a guerra, disse ela, a horta particular se tornou “um lugar de obrigação cívica”.
Uma pesquisa feita neste ano pela Associação Nacional de Jardinagem previu um aumento de 10% no número de americanos que cultivam legumes em casa. “O choque econômico está levando muitas pessoas a plantar, se não uma horta em seus quintais, pelo menos ingredientes de saladas”, disse o diretor de pesquisas do grupo, Bruce Butterfield.
Na cozinha da Missão de Resgate da Área da Baía, em Richmond, Califórnia, abrigo que alimenta mais de 800 pessoas por dia, as maçãs levadas por Boissier seriam convertidas em recheios de panquecas, creme, sidra e tortas. Roy Hunderson, sem-teto há quatro anos, prepara refeições na cozinha. “Se eu tivesse um quintal com frutas se perdendo, também as traria para cá”, disse.

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