São Paulo, segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

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Vendas que conflitam com crenças


Muitos muçulmanos nos EUA evitam vender cerveja


Por DANIEL E. SLOTNIK
A maioria dos clientes de Khairul Kabir na mercearia Madison Deli and Grocery, no bairro de East Harlem (Nova York), não percebe que seu sorriso jovial esconde uma constante sensação de vergonha.
Kabir, 49, imigrante de Bangladesh e muçulmano, está entristecido porque vende carne de porco e bebida alcoólica, que são proibidos pelo Corão. Ele também vende bilhetes de loteria, uma espécie de jogo que é proibida. Os muçulmanos devotos não devem utilizar, vender ou mesmo manipular quaisquer desses produtos proibidos, ou "haram".
O dilema de Kabir é generalizado entre os imigrantes muçulmanos em Nova York e outras cidades americanas, onde as crenças religiosas entram em conflito com a busca da prosperidade e as pressões para assimilar-se.
Mas a luta espiritual é especialmente aguda em bairros como o East Harlem, onde os negócios muçulmanos devem competir pela clientela, que espera que uma delicatessen faça, por exemplo, um sanduíche de presunto ou venda bilhetes de loteria e cerveja.
As opiniões sobre a venda de artigos haram são tão diversas quanto as pessoas que formam a comunidade muçulmana nos EUA, mas Kabir é claro sobre seu desapreço por essa prática.
"Vender haram é a mesma coisa que comer haram", ele disse, olhando para as geladeiras cheias de cerveja na parede do fundo da loja. "Eu me sinto culpado. Quero vender a loja e voltar para casa e não vender haram. Todos os dias penso que devo fazer isso."
Kabir disse que tem de vender produtos que reprova para sobreviver à recessão. "Estou fazendo muitas coisas ruins", disse. "Rezo para que Alá me perdoe."
Mohammed al Naqib, que trabalhava na mercearia Sammy's, no Brooklyn, disse que a loja, que é propriedade de seu primo, deixou de vender cerveja há cerca de cinco anos, devido à falta de demanda e "principalmente por causa da religião". "O bairro mudou", disse Al Naqib. "Meu primo vendia. Mas eu devolvi a licença do governo. Não vende bem."
No East Harlem, Ahmed Ibrahim, um egípcio de 25 anos que trabalha na 3-S Deli, estava preocupado porque a loja não pode vender cerveja -não por causa da religião, mas porque o dono anterior perdeu a licença para vender bebidas alcoólicas.
"Eu venho aqui para ganhar dinheiro", ele disse. "Se eu tentasse dirigir um negócio 'halal' [de coisas permitidas pelo Corão], só os muçulmanos viriam. Você precisa vender para os americanos."
Alguns imãs (líderes religiosos) dizem entender as pressões que os muçulmanos enfrentam para ganhar a vida em uma cidade tão competitiva.
O imã de Kabir, Mohammad Fayek Uddin, líder do Centro Islâmico de Jackson Heights, em Queens, disse que, embora ele possa criticar alguém pessoalmente por vender haram, não é obrigado a se envolver. "Neste país, todo o mundo tem de fazer alguma coisa. Eu faço meu discurso diante das pessoas, depende da opção delas", disse Uddin, que também veio de Bangladesh. "Alá dará as punições no dia do julgamento; eu não tenho autoridade para isso."
Apesar das tentações que os EUA apresentam, ele disse acreditar que a vida é melhor lá. "Neste país eu vi a independência infinita", ele disse. "É melhor que no nosso."


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