São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 2011

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Prática de abate põe o mítico boto em risco

Lalo de Almeida oara The New York Times
Diz a lenda que os botos se transformam em homens e engravidam as mulheres; agora, eles são mortos e viram isca

Por ALEXEI BARRIONUEVO

IGARAPÉ DO COSTA, Brasil - Às margens dos rios amazônicos, as pessoas ainda narram lendas nas quais os botos-cor-de-rosa são capazes de virar homens e engravidar mulheres. Músicos brasileiros já escreveram várias canções a respeito deles.
Mas, para Ronan Benício Rego, um pescador nesta pequena comunidade ribeirinha, o boto é, ao mesmo tempo, uma presa e um rival. Parado na lamacenta margem do igarapé local, ele conta que já matou muitos botos, para usá-los como isca na captura do peixe chamado piracatinga, vendido no Brasil e na Colômbia a consumidores alheios a essa prática.
"Queremos ganhar dinheiro" disse Rego, 43, líder comunitário local. Dois botos mortos podem resultar em cerca de US$ 2.400 em piracatingas em um só dia de pesca, segundo ele.
Mas as iscas não são a única finalidade. Embora os botos-cor-de-rosa sejam protegidos por lei, os pescadores os veem como concorrentes na captura dos peixes, e sua raiva, às vezes, explode. "Já arpoei alguns só por malvadeza", disse Rego.
O abate ilegal desses mamíferos fluviais tem crescido por aqui, num sinal das dificuldades da fiscalização ambiental num território tão vasto, dizem pesquisadores e autoridades.
Centenas, talvez milhares, entre os 30 mil botos que habitam os rios amazônicos morrem a cada ano, segundo eles.
O pesquisador português Miguel Miguéis, 41, da Universidade Federal do Oeste do Pará, estudioso das populações de botos nos arredores de Santarém, disse que essas mortes podem levar à sua extinção. "Eles estão matando a sua cultura, o seu folclore", afirmou. "Estão matando a Amazônia."
A várias horas daqui, rio acima, na Reserva Biológica do Rio Trombetas, Miguéis viu a população de botos diminuir de cerca de 250 espécimes em 2009 para pouco mais de 50 neste ano.
As leis ambientais brasileiras proíbem a matança dos botos, e os infratores podem pegar até quatro anos de prisão. Mas a fiscalização na imensa Amazônia é um enorme desafio para o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que tem apenas 1.300 agentes trabalhando no país inteiro.
Luciano Evaristo, diretor de proteção ambiental do Ibama, admitiu que a matança dos botos tem se agravado devido ao crescimento da demanda por piracatingas na Colômbia e prometeu maior fiscalização. Mas aqui, no coração da Amazônia brasileira, muita gente é indiferente à matança.
Numa feira de Santarém, órgãos genitais removidos dos botos mortos são vendidos como amuletos de boa sorte para o sexo e amor. Uma poção de óleo de boto, que custa cerca de US$ 25 por um frasco pequeno, é usada contra o reumatismo.
Num mercado de peixes em Santarém, clientes disseram que nem tinham ideia de que os pescadores usam os botos como isca para a piracatinga. Mesmo assim, eles disseram que proteger os botos não é uma prioridade.
"Eu comeria o peixe se soubesse que ele comeu boto, pois os botos são saudáveis e todos eles vêm do rio Amazonas", disse Teresa Oliveira, 67.
Há cerca de uma década, a pesca excessiva de um peixe popular na Colômbia, chamado capaz, praticamente eliminou a espécie, segundo Fernando Trujillo, diretor científico da Fundação Omacha, uma ONG ambiental de Bogotá. Buscando um substituto, os fornecedores começaram a usar a piracatinga brasileira. Na Colômbia, esse peixe, uma espécie de bagre, é conhecido como "mota".
Pescadores no Igarapé do Costa disseram que copiaram de seus colegas colombianos a ideia de matar os botos. Usando luvas, eles colocam dentro da água pedaços de ossos dos botos; atraídas pelo odor, as piracatingas se aproximam.
Os pescadores logo descobriram que a piracatinga é um ótimo negócio. "Em apenas duas horas, a gente ganhava R$ 100", disse Rego.
Ali na comunidade, pescadores como Edilson Rocha, 58, contam histórias de suas batalhas com os botos. "Não gostamos dele, somos inimigos", disse Rocha.
"Eu matei um quando estava esperando o peixe morder a isca", prosseguiu. "Ele continuou se aproximando, e os peixes foram saindo, então eu arpoei o boto. Já não aguentava mais."


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