São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 2011

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ARTE & ESTILO

HOLLAND COTTER
ENSAIO


Sob ameaça: o choque do velho

História da arte não-ocidental foca demais no agora

"O que aconteceu com a África?", perguntou um amigo do mundo da arte. "Desapareceu."
Nos últimos anos, a África mal aparece nas grandes exposições dos museus americanos. O mesmo vale para a Índia. Até a China, geralmente mais fácil vender, só é vista discretamente.
Muitas novas aquisições não ocidentais feitas por museus são de arte contemporânea: obras dinâmicas, saídas direto do ateliê, como as reluzentes tapeçarias de parede feitas com tampinhas de garrafa pelo ganês El Anatsui, e as máscaras montadas com galões de gasolina e materiais descartados, do beninense Romuald Hazoumé.
Também nos cursos universitários de história da arte, um impressionante número de alunos aponta atualmente a arte contemporânea como seu campo prioritário.
Sendo assim, nossos museus enciclopédicos, raramente, fazem exposições abrangentes de arte não ocidental mais antiga, e a nova geração de historiadores de arte americanos não a tem estudado (a Europa se sai um pouco melhor em ambos os quesitos).
Resultado: corremos o risco de perder tanto a arte quanto a história na "história da arte", especialmente nos casos em que há dificuldades de conservação.
As razões para que as pessoas trilhem carreiras associadas à arte mais nova são compreensíveis. A arte contemporânea está hoje ligada à economia global num grau sem precedentes. Não muito tempo atrás, o mercado contemporâneo era só Europa e EUA. Agora, é também Nova Déli, Pequim e Dubai -virou uma indústria global.
Os formados em história da arte contemporânea podem, mais do que nunca, se tornar curadores, consultores empresariais, especialistas em leilões e marchands em um negócio de luxo que paira sobre a turbulência econômica predominante. Requisitos linguísticos são, muitas vezes, mínimos, sendo o inglês a língua franca no mundo da arte.
E, tendo de lidar apenas com a história de hoje e ontem, uma pesquisa primária pode ser feita via Google.
A partir da década de 1950, objetos tradicionais da África começaram a ser adquiridos nos EUA por ávidos colecionadores amadores. Essa fase coincidiu com e estimulou uma onda acadêmica.
O fluxo parou na década de 1980. A oferta de objetos que atendiam às exigências ocidentais de valor -idade, evidência de uso ritual, beleza- chegou ao fim, e os preços dispararam. As coleções privadas foram para os museus.
A montagem de coleções de arte tradicional asiática terminou também nessa época. Índia e China bloquearam seus patrimônios culturais e assim os mantêm.
Não surpreende, portanto, que o museu Metropolitan de Nova York e outros locais tenham passado a complementar seu patrimônio não ocidental com obras contemporâneas.
A mudança do velho para o novo no meio acadêmico ocorre mais ou menos na mesma época. Alguns estudiosos continuam a depreciar mentalidade novidadeira.
Outros têm uma visão mais positiva: as culturas africanas e asiáticas, dizem eles, estão em estado de perpétua transformação. Esse presente é sempre, instantaneamente, o novo passado. Quanto aos museus, eles ainda não sabem o que fazer. A preocupação com o sucesso os faz pensar no que é antigo, raro, monumental, caro, inédito.
Mas a grande questão é: por que o rumo tomado pelos museus, ou pela história da arte como disciplina, precisa ser uma coisa ou outra?
Tradicional ou contemporâneo, antigo ou novo -esse é o ritmo da moda. Mas escrever a história da arte não deveria ser assim. Os bons artistas não funcionam desse jeito.
É o caso da indiana Pushpamala N., que numa fotografia posa como a deusa hindu Lakshmi, conforme retratada em uma pintura de Raja Ravi Varma no começo do século 20.
Ou do conceitualista chinês Ai Weiwei, atualmente preso em Pequim, que atualiza vasos neolíticos de museu ao mergulhá-los em tinta industrial com cores berrantes.
Ou então de Wangechi Mutu, queniana radicada em Nova York, cujas colagens combinam, entre outras coisas, imagens de esculturas clássicas africanas e recortes de pornografia e revistas de moda.
Esses artistas combinam o velho e o novo de maneiras que não se assemelham a nada visto antes. Por que não aprender com eles?
"Nada visto antes" foi o que uma geração de historiadores da arte encontrou e ao que reagiu há 40 anos, tanto na África propriamente dita quanto nas coleções particulares dos EUA.
Os jovens acadêmicos, muitos deles alunos desses historiadores, estão encontrando o mesmo estímulo nas obras contemporâneas.
Nessa transição entre as gerações, é crucial alinhar ambos os fluxos, para que se comece novamente a buscar o que há de novo no tradicional (que existe) e a localizar vínculos do novo com o passado (o que também existe).


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