São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 2011

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A melodia espontânea do ukulele

Por BEN SISARIO

Pouco tempo atrás, o ukulele era uma espécie ameaçada, vista como exotismo barato ou como objeto cômico. Agora, esse humilde primo do cavaquinho permeia a cultura, aparecendo na música pop, em comerciais de TV e em vídeos no YouTube.
A tendência é alimentada por cineastas, publicitários e músicos que descobriram como é fácil usar o uke. "Ele simboliza tudo o que a grandiosa máquina reluzente da indústria da música não é", disse Amanda Palmer, ex-vocalista da banda Dresden Dolls.
Alguns anos atrás, de brincadeira, Palmer tocou ukulele ao cantar "Creep", do Radiohead. Mas era algo tão intenso que não podia ficar só como piada, e, pouco depois, ela gravou um álbum cujo título significa: "Amanda Palmer apresenta os sucessos populares do Radiohead no seu mágico ukulele". Eddie Vedder, do Pearl Jam, prepara o lançamento de um trabalho solo, "Ukulele Songs" ("propaganda não-enganosa", diz ele sobre o título).
Uma das grandes vantagens do uke é que é fácil demais de aprender -dizem que é quase impossível tocar mal.
Mesmo quando ligeiramente desafinado, ele serve como uma tela em branco capaz de acentuar qualquer voz. E, nas mãos certas, pode despir uma canção até o seu esqueleto.
"Ninguém que pega o ukulele vai depois voltar e usar o [software de correção] Auto-Tune nos seus vocais", disse Stephin Merritt, do Magnetic Fields, cujo álbum triplo "69 Love Songs", de 1999, usava amplamente o ukulele e foi um marco na renovação do instrumento. "Ele, definitivamente, soa espontâneo e, portanto, casa com estilos vocais espontâneos."
A atual ukulelemania não é a primeira. Descendente do cavaquinho (ou machete) levado por trabalhadores portugueses para o Havaí no século 19, o ukulele fez sucesso na parte continental dos EUA já em 1915, na Exposição Internacional Panamá-Pacífico, em San Francisco.
Em 1999, uma versão melancólica de "Over the Rainbow" tocada por Israel Kamakawiwo'ole foi usada em um comercial da eToys e provocou um frenesi publicitário em torno do instrumento.
Não é difícil entender tamanha atração. O uke evoca inocência, sinceridade e nostalgia por uma era pré-rock. Para a publicidade, ele representa uma humanização imediata.
Com a ajuda da internet, surgiram comunidades dedicadas a dedilhá-lo.
E o instrumento foi incorporado por grupos do rock independente: Mirah, Beirut, Dent May, Noah and the Whale, Buke and Gass e até uma banda-tributo ao Neutral Milk Hotel, chamada Neutral Uke Hotel (Paul McCartney homenageou um célebre fã do instrumento, George Harrison, no "Concert for George", em 2002; quatro anos mais tarde, a versão de Jake Shimabukuro para "While My Guitar Gently Weeps" virou hit no YouTube). "Esta é a era da democratização da música", disse Palmer. "E, numa recessão, quando você tem um instrumento de US$ 20 e há um grande renascimento musical, todo mundo vai querer participar."
Ou, como disse Vedder: "Minha inspiração foi brigar com esse negócio, dar a ele algo diferente do jeito como foi tocado antes -será que consigo deixar esse instrumentozinho feliz tão deprimido quanto eu sou?"


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