São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 2011

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HOLLAND COTTER
RESENHA


Mensagens que transmitem uma carga elétrica

Embora se refira ao passado escravagista dos EUA e à atual Presidência Obama, a retrospectiva de Glenn Ligon no Museu Whitney de Arte Americana se concentra nas décadas de 1980 e 90, um período pouco revisitado da arte recente.
Ligon, 50, nasceu no bairro do Bronx em Nova York. Fez sua primeira obra inovadora em 1985, quando uma nova geração de artistas negros estava reescrevendo os roteiros sobre a raça. Ele pintou em estilo expressionista abstrato com pinceladas fortes. Mas estava extremamente consciente, como um negro gay, do fermento político ao seu redor. Seu problema tornou-se como fazer a linguagem da pintura expressar quem e o que ele era.
Sua primeira solução foi continuar pintando, mas acrescentar palavras: anedotas retiradas da pornografia e inseridas em suas superfícies com poucos pigmentos.
As palavras eram uma desfiguração, mas também um marcador territorial. Desde então, Ligon surgiu como um artista que foi igualmente um fazedor de objetos e um conceitualista, tão interessado no passado quanto no presente, um pintor consciente do fazer assim como um comentarista social.
Em 1988, Ligon fez uma série de pinturas usando trechos concisos tirados de manuais de interpretação de sonhos que eram populares entre os afro-americanos em sua juventude. Essa série seria sua última utilização da cor em pintura de textos durante algum tempo, com exceção de um grupo de pinturas baseadas em piadas raciais escabrosas do comediante Richard Pryor feitas em cores complementares chocantes (azul elétrico sobre vermelho vivo). O preto e o branco se tornariam a norma, e os estênceis, um meio expressivo básico.
Em várias pinturas a partir de 1990, Ligon cobriu portas de madeira ou telas em forma de porta com frases escritas com estêncil, tiradas de diversas fontes: um ensaio autobiográfico de Zora Neale Hurston ("Eu me sinto mais de cor quando sou atirada contra um fundo muito branco"); a peça de Genet Os Negros ("Estou me transformando em um espectro diante de seus olhos e vou assombrá-lo"); um poema de Jesse Jackson ("Eu sou alguém").
No final da década de 1990, Ligon emprestou o formato de pintura com silk-screen de Andy Warhol em um conjunto de grandes imagens fotográficas da Marcha de um Milhão de Homens em Washington em 1995, um evento que promoveu a solidariedade entre os homens negros, mas foi declaradamente antigay.
E, em duas instalações, ele abandona totalmente a pintura. Uma delas, "Desembarcar", de 1993, baseia-se em um relato do século 19 de um escravo chamado Henry Brown, conhecido como Box, sobre sua fuga da escravidão fazendo-se enviar por correio da Virgínia para a Filadélfia em um caixote de madeira.
Há quatro caixotes em uma galeria do Whitney; de dentro de um deles sai a voz de Billie Holiday cantando o hino antilinchamento "Strange Fruit". Nas paredes, há uma série de cartazes interessantes e, às vezes, assustadores de "procuram-se" escravos fugitivos, sendo o próprio Ligon o foragido.
A retrospectiva, que fica em cartaz até 5 de junho, termina como começa, com palavras. Uma grande "America" é escrita três vezes em neon, cada versão ligeiramente diferente, nenhuma delas exatamente certa. Uma tem letras ao contrário; outra tremula; a terceira é pintada de preto e emite pequenos pontos de luz.
Existe uma quarta peça de neon no saguão de entrada, que consiste nas palavras "Negro Sunshine" [Sol Negro] -uma frase de Gertrude Stein- voltada para a rua.
"Negro Sunshine" pode ser lido de diversas maneiras. Pode lembrar o otimismo que recebeu a Presidência Obama, mas que hoje parece difícil de se manter. Ou pode se referir a um abrandamento nas atitudes americanas em relação à raça e ao gênero.
Ou pode expressar o apreço de um espectador pela probidade e pela plenitude da arte de Ligon.


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