São Paulo, segunda-feira, 25 de julho de 2011

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS
INTELIGÊNCIA/ROGER COHEN

O esporte ensina a ser decente

Londres
O esporte é sempre um consolo, e nunca o foi tanto quanto neste mês de julho.
Enquanto as sociedades ocidentais parecem mergulhadas na obsessão pela celebridade, o voyeurismo e o dinheiro, como ficou evidente no escândalo britânico dos grampos telefônicos, dois eventos esportivos exibiram os mais altos níveis de dedicação, decência e esforço. O primeiro foi a Copa do Mundo Feminina disputada na Alemanha. Ao ver os gols de cabeça de Abby Wambach para os Estados Unidos, achei notáveis várias coisas: que ela é tão boa no ar quanto a maioria dos jogadores homens; que ela tem uma postura imperturbável; e que -isso não é pouco- eu assistia ao jogo dela e de suas colegas com intenso interesse.
O segundo foi a vitória de Darren Clarke, 42, no Aberto do Reino Unido de golfe.
Nunca vi um sujeito tão modesto conquistando um dos maiores prêmios desse esporte. Gordinho e nada arrogante, o norte-irlandês Clarke parecia um cara que saiu para dar um passeio de fim de semana -uma anticelebridade. Sua simplicidade era fascinante. Sim, eu pensei, nós queremos mais disso: pessoas comuns fazendo grandes coisas, e suficientemente centradas para resistirem ao brilho fácil da fama.
Esse era parte do apelo da Copa do Mundo Feminina.
Durante a maior parte da minha vida, se alguém me sugerisse que eu ficaria absorvido por esse torneio eu teria rido. Claro que eu já vi as mulheres jogando algumas vezes. Mas o abismo entre a qualidade do jogo delas e do jogo masculino era tão imenso que uma partida feminina chegava a parecer meio insólita.
A "língua franca" do mundo era o futebol dos homens. O das mulheres não passava de uma atração digna, mas secundária.
Mas os tempos mudam -ainda bem. Como observou minha colega Lawrie Mifflin: "Pense no tênis. Quando Billie Jean King defendeu pela primeira vez prêmios em dinheiro comparáveis aos dos homens, as pessoas zombaram, dizendo que o jogo das mulheres era um produto inferior. E talvez fosse -por um tempo. O tênis feminino cresceu, em todo o mundo, porque King e pioneiras como ela ignoraram os críticos e jogaram com o coração, melhorando o tempo todo".
E assim é hoje no futebol. A Copa do Mundo Feminina deste ano, vencida pelo Japão (um país que merece um alívio) numa final contra os Estados Unidos, foi um triunfo -cheia de drama, disputada por times empenhados em marcar gols, e que não foi maculada (exceto em um ou outro incidente) pela teatralidade, a catimba, a perda de tempo, a tática defensiva e as faltas profissionais que tantas vezes desvirtuam o jogo masculino.
Tal era a habilidade de Marta, a pródiga atacante brasileira, que falaram no Rio sobre convocá-la para a seleção masculina. Para mim, o ponto de inflexão ocorreu na dramática partida das quartas de final, entre Estados Unidos e Brasil, vencida pelas americanas nos pênaltis após um empate de 2 x 2.
Fazia tempo que eu não via um jogo tão emocionante. Os fluxos e refluxos; a grande coragem do time americano, após ter uma das suas jogadoras expulsas; a caçada de Marta pelo gol; e a cabeçada de Wambach que empatou a partida no derradeiro minuto -foram elementos do que há de melhor no futebol. É claro que a diferença de qualidade em relação ao futebol masculino ainda existe, embora tenha diminuído na última década. Marta não é Lionel Messi; Wambach não é Cristiano Ronaldo. Mas o fato de Caroline Wozniacki não ser Roger Federer não torna seus jogos de tênis menos interessantes de se ver.
Às vezes, conta mais o espírito do que a habilidade.
"Este é o dia mais humilde da minha vida", disse Rupert Murdoch na abertura da audiência de uma comissão parlamentar que investiga o escândalo, em Londres. Sua News Corp. tem feito mais do que qualquer outra empresa de comunicação para levar o esporte a uma audiência global.
Na verdade, a intuição de Murdoch sobre o fascinante apelo do esporte foi um dos alicerces de seu sucesso com a TV paga no mundo todo.
Ele faria bem em parar e refletir sobre os valores de um Clarke ou uma Wambach -pessoas genuínas e modelos inspiradores, suficientemente com os pés no chão para não se deixarem levar pelo esplendor.


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