São Paulo, segunda-feira, 25 de julho de 2011

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ARTE & ESTILO
ENSAIO - SIMON REYNOLDS


Nada revela tão bem o velho como a música atual

Novas tecnologias trazem de volta a música do passado

Houve um tempo em que a música pop era algo com o qual você podia identificar a década ou mesmo o ano. Mas, se você procura um som que proclame "2011!", ouvir rádio hoje é algo desorientador. Tome-se o caso do maior sucesso do ano, "Rolling in the Deep", de Adele. É um blues R&B dos anos 1960 com produção moderna. Tudo na canção -melodia, letra, o modo de cantar, os backing vocals- remete a cantoras soul como Etta James e Dusty Springfield.
Grandes sucessos recentes dos Black-Eyed Peas, LMFAO, Kesha, Pitbull, Taio Cruz, Jennifer Lopez e Britney Spears lembram o som "hip house" de criadores de sucessos como foram o Technotronic e C&C Music Factory ou os hinos trance de meados da década de 1990 de Paul Van Dyk e BT.
Até o ano 2000, as décadas do pop sempre tiveram sons que as definiram. Esses estilos musicais geralmente continham elementos do passado dos quais partiam, mas sempre levavam suas origens em direções novas.
Os anos 1970 geraram o heavy metal, punk, disco e reggae. Os anos 1980, o hip-hop, o tecnopop e o rock gótico. A década de 1990 teve o grunge e a explosão do tecno/rave/rock eletrônico. Mas a década seguinte produziu o que exatamente?
O desaparecimento do novo e do atual na música pop é difícil de entender.
Nos últimos dois ou três anos veio à tona um conceito que pelo menos identifica a síndrome.
Cunhado pelos fundadores da ficção ciberpunk William Gibson e Bruce Sterling, "atemporalidade" é um termo usado para designar a desconcertante ausência de contemporaneidade que caracteriza uma parte tão grande da cultura pop atual.
Um exemplo rematado disso é a moda dos aplicativos de fotografia como Hipstamatic e Instagram, que simulam digitalmente fotografias feitas nos anos 1970 e 1980, usando as câmeras e os filmes da época.
Fotos marcadas pela nostalgia dos instantâneos fazem parte de um fascínio pelas tecnologias superadas e a "mídia morta" (o termo é de Bruce Sterling), que abrange desde a obsessão por máquinas de escrever manuais e fitas cassete até o fetiche que o movimento steampunk tem por elementos da era vitoriana e pelo filme recente "Super 8".
Sterling vê o pop de hoje como efeito colateral da cultura digital. Um aspecto curioso da tecnologia de informação de aparência futurista é o fato de ter aumentado dramaticamente a presença do passado.
Desde o YouTube ao iTunes, desde blogs de partilha de arquivos até streaming vídeo a pedido na internet, o volume de música, filmes, programas de TV de catálogos passados é espantoso.
Podemos acessar tudo isso em uma velocidade incrível.
Mas um lado potencialmente negativo disso é a presença de uma enxurrada de influências que pode submergir músicos jovens, que estão absorvendo cinco décadas de pop em uma confusão frenética.
A atenção deles também é disputada por coisas que vão desde o "guitarpop" da África ocidental até música New Wave soviética, passando por funk eletrônico etíope dos anos 1980.
A atemporalidade não apenas misturou as décadas como erodiu as fronteiras entre os gêneros. A sucessão aleatória feita pelo iPod é a tecnologia musical que define nossa era: um errar intranquilo e incansável que, não obstante, se conserva dentro de limites definidos de gosto.
O iPod e aparelhos semelhantes produzem um resultado contraditório: erodem as divisões históricas entre tipos de música, mas, ao mesmo tempo, possibilitam aos fãs evitar por completo a música de que não gostam.
Se existe um equivalente moderno ao som que distinguia períodos específicos, são os vocais sobre-humanamente perfeitos presentes em tantas canções pop e rock atuais, graças ao Auto-Tune, um processador fabricado pela Antares Audio Tecnologies que corrige erros de tom.
Tire o brilho digital proporcionado pelo Auto-Tune, contudo, e haverá pouco nos sucessos de Lady Gaga, Taio Cruz ou Kesha que assinale quando foram feitos.
O Auto-Tune é um carimbo de data afixado ao pop de hoje. No futuro, é bem possível que seja adotado por fãs dos cantores que estiveram entre os primeiros a adotá-los, que vão sair em busca de plug-ins Auto-Tune "vintage" do mesmo modo como eles hoje colecionam sintetizadores superados e amplificadores de válvula antiquados.


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