São Paulo, segunda-feira, 25 de outubro de 2010

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Jovens do Japão não compram

Por MARTIN FACKLER
OSAKA, Japão - Poucos países na história recente sofreram uma inversão de fortunas tão notável quanto o Japão. A história de sucesso asiática original, o Japão teve uma das maiores bolhas especulativas em ações e propriedades de todos os tempos na problemática década de 1980, tornando-se o primeiro país asiático a desafiar o longo predomínio do Ocidente.
Mas as bolhas estouram, e o Japão teve um lento e constante declínio. Durante quase uma geração, o país esteve preso em baixo crescimento e deflação, uma espiral descendente e corrosiva de preços.
Hoje, enquanto os EUA e outros países ocidentais lutam para se recuperar de uma bolha de dívida e propriedades, os economistas ocidentais advertem sobre a "japonização", a queda na mesma armadilha deflacionária de colapso de demanda que ocorre quando os consumidores se recusam a consumir, as corporações retêm os investimentos, e os bancos ficam com dinheiro parado.
Torna-se um ciclo vicioso que se auto-reforça: enquanto os preços caem cada vez mais e os empregos desaparecem, os consumidores fecham os bolsos, e as empresas cortam os gastos e adiam planos de expansão.
"Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Irlanda, todos estão passando pelo que o Japão passou há cerca de uma década", disse Richard Koo, economista-chefe da Nomura Securities.
A deflação deixou uma marca profunda nos japoneses, causando tensões entre gerações e uma cultura de pessimismo, fatalidade e baixas expectativas. Enquanto o Japão continua próspero de muitas maneiras, enfrenta uma situação cada vez mais sombria.
Para muitas pessoas com menos de 40 anos, é difícil entender como isso está distante dos anos 1980, quando uma poderosa e ameaçadora "Japan Inc." parecia pronta para eliminar indústrias inteiras dos Estados Unidos, de fabricantes de carros a supercomputadores.
Hoje, a economia japonesa continua com o mesmo tamanho que tinha em 1991: US$ 5,7 trilhões, na taxa de câmbio atual. No mesmo período, a economia americana duplicou, atingindo US$ 14,7 trilhões, e, este ano, a China superou o Japão, tornando-se a segunda maior economia do mundo.
Empresas e indivíduos perderam o equivalente a trilhões de dólares nos mercados de ações, que hoje têm apenas um quarto de seu valor de 1989, e de imóveis, em que o preço médio de uma casa é o mesmo de 1983.
E o futuro parece ainda mais árido, enquanto o Japão enfrenta o maior governo do mundo, uma população que encolhe e índices crescentes de pobreza e suicídio.
Mas talvez o impacto mais notável aqui tenha sido a crise de confiança nacional. Um orgulho quase arrogante foi substituído pelo medo do futuro e uma resignação quase sufocante. O Japão parece ter entrado em uma concha.
Seus industriais antes vorazes hoje parecem dispostos a render setor após setor para rivais famintos na Coreia do Sul e na China. Os consumidores japoneses, que antes faziam compras em Nova York e Paris, hoje ficam em casa com maior frequência, economizando para um futuro incerto.
Uma nova frugalidade é visível entre a geração de jovens japoneses. Eles se recusam a comprar artigos caros como automóveis ou televisores, e um número menor estuda no exterior.
O pessimismo é mais visível entre os rapazes, que costumam ser alvo de zombaria, chamados de "herbívoros" por não ter a disposição de seus pais para trabalhar muitas horas, ou mesmo para conseguir namoradas.
"Os japoneses costumavam ser chamados de animais econômicos", disse Mitsuo Ohashi, ex-executivo-chefe da gigante química Showa Denko.
A explicação clássica dos males da deflação é que ela torna indivíduos e empresas menos dispostos a gastar, porque a maneira racional de agir quando os preços estão caindo é segurar o dinheiro, que ganha valor. Mas, no Japão, quase uma geração de deflação teve um efeito muito mais profundo. Ela causou um profundo pessimismo sobre o futuro e um temor de assumir riscos que torna as pessoas instintivamente relutantes em gastar ou investir, puxando ainda mais para baixo a demanda e os preços.
"Surge um novo senso comum em que os consumidores consideram irracional ou mesmo tolice comprar ou tomar empréstimos", disse Kazuhisa Takemura, professor na Universidade Waseda em Tóquio, que estudou a psicologia da deflação.
Economistas disseram que um motivo pelo qual a deflação se autoperpetua é que ela leva as companhias e as pessoas a sobreviver cortando gastos e vendendo o que possuem, em vez de comprar novos bens ou investir.
"A deflação destrói a aceitação de riscos necessária para que as economias capitalistas cresçam", disse Shumpei Takemori, economista da Universidade Keio em Tóquio.
Os negociantes vão a extremos para atrair os consumidores a voltar a gastar. Mas isto muitas vezes assume a forma de guerras de preços, que acabam alimentando a espiral deflacionária do Japão. Até as cerimônias de casamento estão em liquidação, com os salões de festas oferecendo cerimônias por US$ 600 -menos de 10% do que elas geralmente custavam há apenas dez anos. Em Osaka, a terceira cidade do Japão, comerciantes fizeram recentemente uma grande liquidação com resultados decepcionantes.
Depois de anos de complacência, o Japão parece despertar para seus problemas. Mas para muitos japoneses pode ser tarde demais. Yukari Higaki, 24, disse que economiza o quanto pode comprando suas roupas em lojas de descontos, fazendo seu próprio almoço e deixando de viajar para o exterior.
Ela disse que, embora sua geração ainda viva confortavelmente, ela e seus pares estão sempre em uma posição defensiva, prontos para o pior.
Hisakazu Matsuda, presidente do Instituto de Pesquisas de Marketing ao Consumidor do Japão, diz que os jovens japoneses têm ódio ao consumo. Ele calcula que quando esta geração chegar aos 60 anos sua frugalidade terá custado ao país US$ 420 bilhões em consumo cessante. "Não há outra geração como esta no mundo", ele disse. "Esse pessoal acha que é idiota gastar."
Higaki, que trabalha em tempo parcial em uma loja de móveis, disse: "Somos a geração da sobrevivência". Comerciantes japoneses tentam atrair clientes com preços cada vez mais baixos.


Colaborou Steve Lohr, em Nova York



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