São Paulo, segunda-feira, 25 de outubro de 2010

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No Oriente Médio, seca de proporções bíblicas

Julien Goldstein para o New York Times
Após quatro anos de seca, o interior da Síria e partes do Iraque foram assolados, levando centenas de milhares de pessoas a trocar suas terras ressequidas por campos de refugiados como este perto de Ar Raqqah

Por ROBERT F. WORTH
AR RAQQAH, Síria - As terras agrícolas que se espalham ao norte e a leste desta cidade no rio Eufrates já foram o celeiro da região, uma vasta extensão de trigo dourado e carneiros.
Hoje, depois de quatro anos de seca, este coração do Crescente Fértil -incluindo grande parte do vizinho Iraque- parece estar se tornando infértil, segundo cientistas climáticos. Os antigos sistemas de irrigação desmoronaram, as fontes hídricas subterrâneas secaram e centenas de aldeias foram abandonadas, conforme as terras agrícolas se transformavam em deserto e os animais morriam sem pasto. Tempestades de areia tornaram-se mais comuns, e vastas cidades de tendas, com os agricultores despossuídos e suas famílias, surgiram na Síria e no Iraque.
"Eu tinha 160 hectares de trigo, e hoje é tudo deserto", disse Ahmed Abdullah, 48, um agricultor que está morando em Ar Raqqah em uma barraca de plástico rasgado, com sua mulher e 12 filhos. "Hoje somos um zero à esquerda- sem dinheiro, sem emprego, sem esperança."
O colapso das terras agrícolas tornou-se um duplo desafio econômico e uma crescente preocupação de segurança para os governos sírio e iraquiano. A Síria, que já se orgulhou de sua autossuficiência e até exportava trigo, hoje importa o produto em quantidades cada vez maiores.
Os recursos hídricos totais do país caíram pela metade entre 2002 e 2008, em parte por causa do desperdício e do excesso de utilização, segundo cientistas de engenheiros hídricos.
Para a Síria, que está ficando sem reservas de petróleo e luta para atrair investimento estrangeiro, a crise agrícola é mais uma vulnerabilidade, porque ocorre onde se concentra a minoria curda. O Iraque, devastado pela guerra, enfrenta uma crise hídrica no norte e no sul que talvez não tenha precedente na história. Os dois países se queixaram da redução do fluxo do rio Eufrates, devido a grandes obras de represas rio acima, na Turquia.
A seca de quatro anos na Síria levou de 2 a 3 milhões de pessoas à extrema pobreza, segundo uma pesquisa do relator especial da ONU sobre o direito à alimentação, Olivier De Schutter.
Estima-se que mais 50 mil famílias migraram das áreas rurais este ano, além das centenas de milhares de pessoas que fugiram antes, disse De Schutter. A Síria já se esforçou para acomodar mais de um milhão de refugiados iraquianos desde a invasão em 2003.
"É irônico: esta região é a origem do trigo e da cevada e, hoje, está entre os maiores importadores desses produtos", disse Rami Zurayk, professor de ciência agrícola e da alimentação na Universidade Americana em Beirute, que está escrevendo um livro sobre a crise agrícola.
As secas sempre ocorreram aqui, mas "o clima regional está mudando de maneiras claramente visíveis", disse Jeannie Sowers, professora da Universidade de New Hampshire que escreveu sobre questões climáticas no Oriente Médio.
"Seja a mudança climática causada pelo homem ou não, a maior parte da região está ficando mais quente e seca, combinada com chuvas mais intensas e erráticas e inundações em certas áreas. Haverá pessoas migrando em consequência disso, e os governos estão mal preparados."
Perfurações de poços ilegais podem ser vistas na Síria e no Iraque, e os lençóis freáticos estão caindo a um nível que já é "realmente assustador", disse De Schutter, o especialista da ONU.
Assim como em outros países no mundo árabe, a corrupção e a má administração são frequentemente culpadas. "Muitas pessoas poderosas não acatam os regulamentos, e ninguém consegue domá-las", disse Nabil Sukkar, um analista econômico baseado em Damasco.
Cem mil pessoas tinham sido deslocadas um ano atrás, segundo um relatório da ONU. Mais de 70% dos antigos aquedutos subterrâneos secaram, segundo o relatório. Desde então, a situação só piorou.
"Vimos aldeias inteiras enterradas na areia", disse Zaid al-Ali, um palestrante de origem iraquiana no Instituto de Estudos Políticos em Paris, que observou as condições hídricas e agrícolas em agosto no norte do Iraque. "Sua situação é desoladora."
Nos acampamentos, os refugiados se desesperam. "Lá na aldeia, nossas casas estão cobertas de poeira; é como se tivessem sido destruídas", disse Ayed Tajim, um agricultor deslocado em Ar Raqqah. "Nós gostaríamos de voltar, mas como? Não há água nem eletricidade, nada."


Colaborou Hwaida Saad



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