São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

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O salvador ou o demônio

ORI E ROM BRAFMAN
INTELIGÊNCIA

Na mesma semana, saíram de cena dois líderes importantes. A partida do primeiro, o presidente George W. Bush, foi saudada com um suspiro coletivo de alívio. Poucas vezes tantas pessoas em todo o mundo ficaram tão satisfeitas em ver um presidente americano despedir-se do poder.
Ao mesmo tempo, porém, muitos se surpreenderam e entristeceram ao ouvir que Steve Jobs, o executivo-chefe da Apple, deixou o leme da empresa, pelo menos temporariamente, citando problemas de saúde. As ações da Apple caíram 8% minutos após a notícia.
Dois líderes; duas reações diametralmente opostas.
Isso nos fez pensar sobre a importância que atribuímos ao solitário indivíduo que está no topo. É verdade que líderes como Bush e Jobs têm o poder de desencadear mudanças maciças (exemplo: Guantánamo ou o iPhone). Mesmo assim, temos a tendência a ver os líderes ou como salvadores ou como demônios. Especialmente em tempos de crise e incerteza, depositamos neles esperanças e medos.
Uma perspectiva interessante sobre isso é dada pelo psiquiatra Ronald Fairbairn, já morto. Ele desenvolveu uma escola de pensamento chamada relações de objetos, que postula que as interações que temos com nossos pais na primeira infância tornam-se o modelo psicológico seguido por nossas interações com outros na idade adulta. Em outras palavras, procuramos inconscientemente interpretar as pessoas com quem entramos em contato do mesmo modo como vivemos nossa interação com nossos pais. Por exemplo, uma professora carinhosa se torna a "boa mãe", e um chefe mesquinho, o "pai mau".
Nesse sentido, Bush se enquadra facilmente no molde do "pai mau". Nós os responsabilizamos por tudo, desde a instabilidade no Oriente Médio até a situação catastrófica em que se encontra a economia global.
Invertendo a moeda, investidores apelidaram Steve Jobs de "bom pai", vendo-o como dotado de uma capacidade quase mágica de manter a Apple na vanguarda e esperando que ele, como líder do setor da tecnologia, continuasse a inspirar sua empresa e levá-la adiante.
Embora concordemos que em ambos os casos a carapuça parece servir, nos indagamos se a estereotipagem não revela mais sobre nós do que sobre os próprios homens em questão. Queremos que nossos lideres -políticos ou empresariais- se enquadrem nitidamente num papel arquetípico. E, a partir do momento em que decidimos coletivamente que Bush é um desastrado colossal, torna-se difícil enxergá-lo sob qualquer outra ótica.
É essa a chave da questão. Deixamos de enxergar o indivíduo real. Esquecemos que um país é mais que seu presidente, e uma empresa, mais que seu executivo-chefe. A chegada do "pai bom" Barack Obama com certeza é um alívio bem-vindo. Mas, a partir da teoria de Fairbairn, nos indagamos o que acontecerá com nossas projeções sobre Obama. Muitos acreditam que ele vai salvar a situação, mas expectativas excessivamente altas, irrealistas, podem tornar inevitáveis as decepções. Pior ainda, podem nos levar a perder a fé no novo presidente prematuramente, diante de seu primeiro escorregão.
Ori Brafman e Rom Brafman são coautores de "Sway: The Irresistible Pull of Irrational Behavior". Ori é palestrante internacional sobre administração, e Rom é psicólogo e palestrante sobre dinâmica interpessoal.

Envie seu comentário para brafmans@nytimes.com.



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