São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

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Crimes e ética na névoa da guerra em Gaza


Conduta militar de Israel foi alvo de fortes críticas


Por STEVEN ERLANGER

JERUSALÉM - Sua unidade, na periferia de Jabaliya, no norte da faixa de Gaza, foi alvejada por disparos de morteiro vindos do campo de refugiados nas proximidades, lotado de pessoas. Você se prepara para disparar de volta e talvez observe -ou talvez não, apesar de isso constar de seu mapa- que há uma escola da ONU justamente ali, repleta de moradores do território que fugiram de suas casas. Você sabe que a lei internacional o autoriza a proteger seus soldados e disparar de volta, mas ela também exige que você assegure que não sejam causados danos excessivos a civis. No meio do caos, será que você se lembra de tudo isso?
Você escolhe morteiros guiados por sistema de GPS, que supostamente têm mira precisa e uma força explosiva específica e dispara de volta. No final, mata alguns combatentes do Hamas mas também, diz a ONU, mais de 40 civis, inclusive crianças.
Será que você cometeu um crime de guerra? Sejam quais forem os resultados militares e políticos da guerra israelense contra o Hamas, Israel enfrenta mais uma vez acusações graves sobre a legalidade de sua conduta militar. Como foi o caso na guerra israelense de 2006 contra o Hizbollah no Líbano, a percepção mundial de como Israel combate pode mostrar-se mais duradoura do que quaisquer ganhos ou perdas estratégicos.
As imagens da devastação em Gaza e a grande assimetria nas mortes desencadearam no mundo árabe e no Ocidente revolta e ultraje que lembram 2006.
Chanceleres ocidentais, autoridades das ONU e grupos de defesa dos direitos humanos vêm expressando choque e repúdio; alguns estão pedindo investigações de possíveis crimes de guerra. Esses grupos também dizem que o Hamas claramente violou as regras da guerra.
Mais de 1.300 palestinos morreram na ofensiva, segundo o Ministério da Saúde comandado pelo Hamas, que estima que 40% são mulheres e menores de 18 anos. Israel diz que apenas um quarto dos mortos eram civis. O país teve 13 mortos no combate.
Contagens de mortos em guerras carregam peso moral, mas não legal. Pelas leis internacionais, a proporcionalidade é definida por avaliação e julgamento, não por números: o risco potencial a civis é excessivo em relação à vantagem militar prevista?Mesmo que o alvo seja legítimo, foi usada a arma certa para tentar minimizar o dano a civis? A chave é o dano que o comandante previu com o uso de determinada arma, e não o que de fato aconteceu quando ela foi disparada.
O outro princípio-chave é a discriminação: a força militar se esforçou o suficiente para atingir apenas alvos e combatentes militares, ao mesmo tempo se esforçando para evitar alvos puramente civis e não combatentes?
Julgamentos como esses são especialmente difíceis em uma guerra de guerrilha urbana, na qual os combatentes do Hamas vivem e se abrigam entre a população civil. Embora Israel seja o alvo da maioria das críticas, especialistas concordam que o Hamas, grupo radical islâmico classificado por EUA e União Europeia como terrorista, viola as leis internacionais.
Disparar foguetes desde Gaza contra cidades e civis israelenses é uma violação evidente do princípio da discriminação e se enquadra na definição clássica de terrorismo. Os combatentes do Hamas também colocam civis em risco indevido ao armazenar armas entre eles, incluindo em mesquitas, escolas e alegadamente hospitais, transformando-os em potenciais alvos militares.
Mas as violações cometidas pelo Hamas tendem a ser vistas como algo secundário, reclamam autoridades israelenses. Elas afirmam que Israel nunca procurou atingir civis ou instalações e funcionários das ONU. "As regras de combate são claras", disse Mark Regev, porta-voz do governo israelense. "Não alvejar civis, não alvejar pessoas da ONU, não alvejar médicos. Tudo isso está claro na doutrina militar israelense."
Asa Kasher, 69, ocupa uma cadeira de ética na Universidade Tel Aviv e ajudou a redigir o código ético das Forças Armadas israelenses. Kasher disse que os padrões éticos do Exército israelense são elevados e ensinados de maneira conscienciosa aos militares. Mas, quanto ao que acontece em campo, observou, "tenho confiança geral em suas atitudes e decência, mas quem sabe?".
Uma advogada sênior da ONU que não quis se identificar concordou que o código militar israelense é excelente, mas disse que o Exército de Israel não faz o suficiente para proteger pessoas neutras ou providenciar refúgios para civis: "A avaliação correta da proporcionalidade no campo de batalha simplesmente não foi feita como deveria".
Um assessor jurídico do Exército israelense descreveu as acusações como "profundamente injustas".
O porta-voz da UNRWA (agência da ONU de assistência aos refugiados palestinos), Christopher Gunness, disse que a agência toma grande cuidado para não abrigar militantes em suas instalações, para proteger os civis e seus filhos. Ele enfatizou que tinha transmitido às forças israelenses as coordenadas de todas as escolas, os abrigos e as construções da agência.
O major israelense Jacob Dalla disse que "as pessoas perdem de vista o contexto de uma guerra numa área densamente povoada, onde, a cada vez que uma porta é aberta, um soldado se pergunta quem pode estar atrás dela." Para ele, "se vermos apenas as imagens e não usarmos a cabeça, os terroristas sempre vencerão as batalhas pela opinião pública".

Colaboraram Taghreed El-Khodary, em Gaza, e Sabrina Tavernise, em Jerusalém


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