São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

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Para estudar, jovens afegãs desafiam ataques de ácido

Por DEXTER FILKINS

CANDAHAR, Afeganistão - Numa manhã recente, Shamsia Husseini e sua irmã caminhavam à escola local para meninas quando um homem de motocicleta parou ao lado delas e perguntou: "Vocês estão indo à escola?"
Então ele arrancou a burca de Shamsia de sua cabeça e borrifou seu rosto com ácido. Hoje as pálpebras e o lado esquerdo do rosto de Shamsia são recobertos por cicatrizes irregulares e descoloridas. Sua vista frequentemente se anuvia, causando dificuldade para ler.
Mas, se o ataque com ácido a Shamsia e 14 outras mulheres -alunas e professoras- visava apavorar as meninas e levá-las a permanecer em casa, parece ter fracassado em seus propósitos.
Hoje quase todas as meninas feridas estão de volta à escola Mirwais para Meninas, incluindo Shamsia, cujo rosto ficou tão gravemente queimado que ela precisou ser enviada ao exterior para ser tratada. Algo que talvez seja ainda mais espantoso é que quase todas as outras alunas da comunidade, profundamente conservadora, também retornaram às aulas -cerca de 1.300 ao todo.
"Meus pais me disseram para continuar vindo à escola, mesmo que me matem", disse Shamsia, 17. Como quase todas as mulheres adultas dessa área, sua mãe é analfabeta. "Quem me fez isto não quer que as mulheres tenham instrução. Quer que sejamos burras."
Nos cinco anos passados desde que a escola Mirwais foi construída em Candahar pelo governo japonês, ela parece ter desencadeado uma revolução social. Ao mesmo tempo em que o Taleban fecha o cerco em volta da cidade, as garotas continuam a estudar todas as manhãs. Muitas vêm a pé, percorrendo até três quilômetros desde suas casas de barro nas colinas.
As garotas entram correndo no complexo murado da escola, muitas delas arrancando a vestimenta que as cobre da cabeça aos pés, pulando e rindo de maneira inconcebível fora da escola -para mulheres de qualquer idade. As mulheres raramente são vistas e, quando isso acontece, estão cobertas pelas burcas.
Foi assustador quando, em 12 de novembro, três duplas de homens em motocicletas começaram a circular em volta da escola. Eles atacaram 11 meninas e quatro professoras; seis foram hospitalizadas. O caso mais grave foi o de Shamsia.
Os ataques pareceram ser obra do Taleban, movimento fundamentalista que luta contra o governo e a coalizão liderada pelos EUA. A proibição do acesso de meninas às escolas era um dos símbolos mais notórios do governo do Taleban, até o movimento ser afastado do poder, em 2001.
Construir novas escolas e assegurar que as crianças as frequentem tem sido um dos principais objetivos durante a reconstrução do Afeganistão.
Nos dias seguintes aos ataques, a escola Mirwais ficou vazia. Foi quando o diretor da escola, Mahmood Qadari, convocou uma reunião com os pais das alunas. "Eu disse a eles: 'Se não deixarem suas filhas voltar à escola, o inimigo terá triunfado'", contou. "Disse para não se renderem às trevas. A educação é a única maneira de fazer nossa sociedade progredir."
Shamsia ainda pode precisar de cirurgia plástica reparadora. Depois das aulas, ela se mistura às outras garotas, brincando e rindo. Parecia não estar preocupada com seu rosto desfigurado, até que começou a relatar seu sofrimento. "As pessoas que fizeram isto não sentem a dor dos outros", disse.


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