São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

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Caos não assusta empreendedores argentinos

Por VINOD SREEHARSHA

MENDOZA, Argentina - Enquanto a Bolsa de Buenos Aires caía ao nível mais baixo em cinco anos, em outubro, depois de o governo anunciar que nacionalizaria as aposentadorias privadas, Felix Racca estava a 960 quilômetros de distância, calmamente discutindo as perspectivas de uma companhia recém-criada com Daniel Caselles. Racca tinha fornecido o capital inicial para a abertura da firma de Caselles, a AuthenWare, que produz software biométrico com aplicativos de segurança para bancos e seguradoras.
O momento poderia parecer incomum para o exercício do empreendedorismo. O confisco das aposentadorias foi visto como reconhecimento de que a Argentina talvez não pague em 2009 os juros de sua dívida, que somam cerca de US$ 20 bilhões.
Após a moratória do governo em 2001, a falta de acesso ao crédito tornou-se um modo de vida no país, que permaneceu em parte distante dos mercados globais de capital e de investimentos estrangeiros.
O resultado disso foi que empreendedores argentinos começaram a olhar para dentro e, com o tempo, criaram um ecossistema nascente de abertura de firmas com fundos locais de capitais de investimento e investidores bem financiados.
Segundo o Relatório 2008 do Observatório de Capitais de Investimentos, esses fundos e investidores ofereceram US$ 25 milhões no ano passado. Gabriel Jacobsohn, autor do relatório e professor da Universidade de Buenos Aires, prevê que essa cifra se mantenha em 2009, apesar da atual incerteza econômica.
É um volume pequeno, muito menor que 1% do PIB argentino, mas representa uma mudança cultural grande. No passado, heranças familiares e contatos no governo frequentemente determinavam quem poderia abrir uma empresa. Agora, aos poucos, os argentinos estão começando a confiar e investir mais uns nos outros.
Vários dos novos financistas argentinos abriram suas próprias empresas durante crises passadas; não só sobreviveram como cresceram, apesar do pouco apoio. Felix Racca é um desses veteranos. Com seu sócio, Emilio Lopez-Gabeiras, fundou a Intersoft, a empresa de softwares mais bem-sucedida da Argentina, noos anos 1990, sobrevivendo à hiperinflação, à estagnação e a uma sucessão de moedas. Racca diz que quer assegurar que seus conterrâneos "não precisem passar pelo que eu passei".
Um elemento catalisador da cultura das empresas recém-criadas no país foi a Endeavor, ONG americana que fomenta redes de empreendedorismo no mundo em desenvolvimento e teve seu primeiro sucesso na Argentina há dez anos, pouco antes do último colapso financeiro local.
A organização ainda tem presença forte no país. Mas o ecossistema empreendedor argentino hoje é administrado quase inteiramente por nativos, em sua maioria pessoas de origem na classe média.
A Globant, firma de serviços de informática, estima que terá receita de US$ 40 milhões este ano. Num indicativo das mudanças nos valores no país, Alejandro Mashad, diretor da Endeavor na Argentina, disse: "Os quatro fundadores da Globant poderiam vender a companhia hoje e comprar um jatinho particular cada, mas querem construir uma empresa na Argentina".
O Google, cliente da Globant, citou o emergente espírito empreendedor argentino como justificativa da decisão de sediar em Buenos Aires suas operações latino-americanas. Alberto Arebalos, porta-voz do Google na América Latina, diz que essa cultura em desenvolvimento "não mudará, apesar dos altos e baixos da economia".
Arebalos, que é argentino, citou algumas das turbulências suportadas na Argentina nas últimas décadas: "Passamos por pelo menos cinco ou seis planos econômicos, com políticas totalmente distintas -uma economia fechada, uma economia aberta, privatização, não-privatização, dólar fixo, dólar flutuante, dólar controlado, dólar descontrolado, desvalorizações brutais, aumentos nas tarifas, tarifas congeladas". A lição, para ele, é que "ou você fica louco ou se torna um sobrevivente".


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