São Paulo, segunda-feira, 26 de julho de 2010

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As manchas do passado


Golfo do México deve se recuperar do vazamento, mas só depois de décadas

DAVID ROCHKIND PARA O NEW YORK TIMES
Mesmo após um vazamento deixar de ser visível, resíduos tóxicos permanecem. Cientistas buscam vestígios da explosão do poço Ixtoc 1, em 1979, no golfo do México

Por JUSTIN GILLIS
e LESLIE KAUFMAN

Litorais atingidos por óleo no passado oferecem pistas sobre o que a população da costa americana do golfo do México pode esperar. O quadro não é desesperador, embora o dano deva ser persistente.
"Pensamentos de que isso vai matar o golfo do México são reações exageradas", afirmou Jeffrey Short, cientista que comandou algumas das pesquisas mais importantes depois do vazamento do Exxon Valdez e que hoje trabalha na ONG ambiental Oceana. "O petróleo vai acabar indo embora. Não vai durar para sempre." Mas, então, vai durar quanto?
Há apenas 20 anos, achava-se que vazamentos de óleo causavam quase todo o seu dano nas primeiras semanas, quando o óleo recém-despejado e cheio de substâncias tóxicas atingia fauna e flora dos manguezais, manchava as praias e matava peixes e tartarugas em alto-mar.
Mas desastres como o do Exxon Valdez, em 1989, no Alasca, do poço Ixtoc 1, em 1979, no México, do Amoco Cadiz, em 1978, na França, e dois vazamentos em Cape Cod (EUA), inclusive da barcaça Bouchard 65, em 1974 -todos estudados por décadas-, permitiram que os cientistas pintassem um quadro mais complexo sobre o que acontece após um vazamento.
Ainda está claro que a maior parte do dano ocorre rapidamente, e que a natureza então começa a se recuperar. Após poucos anos, um observador casual que visite um local muito atingido poderia não notar nada de errado. Aves e peixes provavelmente terão se recuperado, e o óleo parecerá ter ido embora.
Mas, com frequência, como Short e sua equipe descobriram no Alasca 12 anos após o vazamento do Exxon Valdez, uma parte do óleo apenas foi ao subsolo, escondendo-se em bolsões onde ainda pode passar anos causando danos de baixa intensidade à natureza.
E a resposta humana ao vazamento pode mitigar -ou intensificar- seus efeitos de longo prazo.
Estranhamente, alguns dos piores danos resultantes dos vazamentos nas últimas décadas ocorreram por causa de tentativas de limpar o óleo.
É difícil para os cientistas oferecer previsões sobre o atual vazamento, por duas razões. A ecologia do golfo do México é particularmente adaptada para decompor o óleo, mais do que qualquer outro corpo d'água no mundo -embora seja essencialmente uma incógnita se poderá decompor tamanha quantidade completamente, e com que rapidez.
Além disso, como o vazamento brota 1,5 km abaixo da superfície e muitos dos componentes tóxicos do óleo estão se dissolvendo nas profundezas e se espalhando, os cientistas simplesmente não sabem quais deverão ser os efeitos no oceano profundo.
Mesmo assim, muitos aspectos do acidente lembram vazamentos do passado, e isso dá aos pesquisadores alguma confiança para fazer previsões acerca de como os fatos irão se desenrolar.

Persistência notável
Em 1969, uma barcaça bateu em pedras na costa de West Falmouth, Massachusetts, derramando 716 mil litros de óleo combustível na baía de Buzzards. Ainda hoje, os caranguejos de Wild Harbor, perto dali, agem como bêbados, movendo-se erraticamente, reagindo com lentidão a predadores e talvez não conseguindo cumprir adequadamente o seu crucial papel de arar o manguezal, o que ajuda a fornecer oxigênio às raízes das plantas desse ecossistema.
Esse comportamento é consistente com as pesquisas que mostram como vazamentos têm efeitos persistentes, embora muitas vezes em níveis tão baixos que não são rotineiramente notados.
No Alasca, o Exxon Valdez acabou manchando 1.930 km de litoral. No final da década de 1990, o óleo parecia ter praticamente desaparecido, mas exames em patos e lontras mostraram que eles ainda estavam sendo expostos a hidrocarbonetos, compostos existentes no petróleo bruto.
Short, então trabalhando na Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA, organizou uma série de escavações para entender o que havia acontecido, e sua equipe acabou perfurando milhares de buracos nas praias do Alasca. O óleo foi achado em cerca de 8% deles, em geral em lugares sem oxigênio suficiente para que os micróbios decompusessem o material.
No ritmo em que o óleo está sendo decomposto, Short estima que parte dele poderá ainda estar lá daqui a um século.
Talvez o maior risco individual no desastre da plataforma Deepwater Horizon, no golfo do México, seja a erosão de longo prazo dos delicados manguezais costeiros. Em outro vazamento na costa de Massachusetts, o legado da contaminação por óleo é evidente na diferença entre dois mangues separados por uma estrada de cascalho à beira-mar.
De um lado, onde o mangue ficou recoberto em 1974, quando a barcaça Bouchard 65 despejou 42 mil a 140 mil litros de óleo combustível no mar, a vegetação é atrofiada e esparsa. As plantas tentam se apegar à beira da praia arenosa. Mas, no outro lado, onde o mangue ficou intocado, a vegetação está alta e espessa.
A costa da Louisiana contém alguns dos manguezais mais produtivos do mundo, além de servirem como um habitat importante e zona de procriação para aves e peixes.

Decisões erradas
Os vazamentos de óleo geram um impulso de limpar o material. Mas esse próprio impulso pode ser uma fonte de destruição.
Nenhum caso ilustra isso mais claramente do que o vazamento de 1978 do navio-tanque Amoco Cadiz.
Apanhado por um vendaval, ele foi atirado contra rochas a noroeste da França, derramando 254 milhões de litros de petróleo bruto, que atingiram mais de 300 km da costa da Bretanha.
O dano imediato já foi bastante ruim: pelo menos 20 mil aves marinhas achadas mortas, milhares de toneladas de ostras perdidas, e peixes cheios de úlceras e tumores. Mas, então, as autoridades francesas pioraram as coisas.
Usando tratores e escavadeiras, elas retiraram quase 50 cm de sedimentos contaminados por óleo de cima dos manguezais mais poluídos. Também retificaram e rebaixaram a calha de alguns canais naturais das marés, melhorando o escoamento.
Com o tempo, essas decisões se revelaram desastrosas.
Nas áreas poupadas das escavadeiras, a natureza acabou decompondo a maior parte do óleo, e a vegetação voltou. Nos mangues manipulados, ainda falta até 40% da vegetação.
Praticamente a mesma dinâmica ocorreu no Alasca depois do vazamento do Exxon Valdez. Em algumas áreas, a Exxon "lavou" as praias com pulverizadores de água quente a alta pressão. Os cientistas depois concluíram que isso foi um desastre, pois mexilhões e outros organismos tinham uma recuperação muito mais demorada nas praias submetidas à limpeza.
A lição, segundo os cientistas, não é de que as pessoas jamais devam tentar limpar um vazamento de petróleo. Mas que é complicado calcular até onde ir.
Na Louisiana, já começaram as batalhas entre o Corpo de Engenheiros do Exército e os moradores locais, sob o comando do governador Bobby Jindal, a respeito das propostas para a construção de barreiras com pedras e areia para impedir a chegada do óleo aos manguezais. Os engenheiros militares têm sido cautelosos em conceder autorização, advertindo que as alterações no fluxo da água poderão afetar a ecologia dos mangues.
Independentemente de como essa batalha se desenrolar, nos próximos meses a Louisiana deve enfrentar uma questão polêmica: queimar ou não os manguezais.
Se a camada superior de vegetação e o óleo preso a ela forem queimados, as raízes poderiam sobreviver e permitir que plantas mais saudáveis brotem outra vez. Mas os cientistas dizem que isso só pode ser feito se não houver chance de que mais petróleo chegue, já que a queima poderia expor as raízes enterradas no sedimento, tornando-as vulneráveis a absorver o óleo.

Resiliência natural
O vazamento de 1979-80 após a explosão do poço Ixtoc é a mais próxima analogia possível com o acidente da BP. O petróleo manchou centenas de quilômetros de praias no golfo do México.
"Como jovem cientista, pensei: 'Ah, não, isso está destruindo as nossas praias'", disse Wes Tunnell, pesquisador do Instituto de Pesquisas Harte para Estudos do golfo do México, no Texas.
Mas, então, ele assistiu maravilhado aos poderes regeneradores do golfo. Como o petróleo constantemente se infiltra no golfo a partir de fissuras naturais, a água está repleta de micróbios adaptados para decompor o óleo. A água quente acelera esse processo, e também ajuda algumas espécies a se recuperar mais rapidamente.
Ninguém pode ter certeza de que a recuperação após o vazamento da BP irá repetir o caso do Ixtoc. "Há 30 anos, aqueles 140 milhões de galões [530 milhões de litros] de óleo foram para algum lugar", disse Tunnell. "O golfo se recuperou e se tornou muito produtivo outra vez. Minha preocupação é se é tão resiliente hoje quanto era há 30 anos."


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