São Paulo, segunda-feira, 26 de julho de 2010

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As estrelas perderam seu mistério


Donos de celular são hoje paparazzi em potencial

BEN BRANTLEY
ENSAIO

Para onde foram todas as esfinges? Não há uma pessoa neste planeta hoje que pudesse fazer meu coração parar como parou quando vi Greta Garbo na Madison Avenue.
Foi no último dia de 1985, em uma tarde mergulhada numa luminosidade impiedosa, e, de repente, lá estava ela: um grande casaco de peles, um gorro de tricô e o rosto sem maquiagem, fechado como um punho, por trás de óculos escuros grandes sem qualquer aspiração a "tendência".
Ela não parecia chique, nem mesmo rica, entre as mulheres vistosas com suas grandes bolsas e cachorros pequenos. Mas Miss Garbo tinha algo que nenhuma daquelas senhoras podia pagar: estava envolta em seis décadas de silêncio bem documentado. E isso a tornava a criatura mais glamourosa que eu já vi.
Hoje em dia, o mundo não tem mais qualquer tolerância -e muito menos fascínio- por pessoas que não desejam ser notícia. Figuras cercadas de sombras estão fora de moda em uma cultura em que a palavra-chave é "transparência".
Mas, a partir do momento em que se mudou para Manhattan, no início dos anos 1950, Greta Garbo foi perseguida por todo tipo de gente como uma ave rara, o melhor espécime de uma espécie ameaçada de extinção.
O que ela era. A atriz nascida sueca que se aposentou do cinema em 1941 tornou-se uma estrela internacional como uma enigmática deusa do amor em filmes mudos e, depois disso, sempre carregou consigo a consciência de que dizer nada é o que mais se torna uma lenda. E, como ela raramente falou, podíamos ouvi-la sussurrando para nós em sonhos.
Garbo não poderia existir no século 21. A democracia tecnológica de hoje conspiraria para pôr um fim rápido e brutal à quase invisibilidade sedutora que Garbo mantinha tão bem. Todo o mundo que possui um celular hoje é um membro potencial dos paparazzi.
O romantismo das pessoas que discutiam seus avistamentos de Garbo seria substituído pelas bravatas tristes de caçadores de troféus comparando tiros. Amigos contrariados de Garbo começariam a publicar anonimamente coisas nada lisonjeiras sobre ela na web.
"Ah, ela de novo", você diria, quando seu rosto surgisse no mais novo site de fofocas de celebridades. E se a divina Greta (oh, pensamento infeliz) fosse reduzida a publicar desesperadamente na web "I vant to be alone" todos nós riríamos de desprezo.
Há uma percepção crescente de que todo o mundo é reconhecível, todo o mundo é acessível e todo o mundo é potencialmente uma estrela. A mídia social e os intermináveis reality shows da TV hoje são fóruns habituais para os famosos que querem parecer comuns e para pessoas comuns que querem parecer famosas. A rubrica da revista "Us" -"As estrelas são iguais a nós!"- agora foi invertida para "Nós somos iguais às estrelas".
Eu estava sentado algum tempo atrás ao lado de um editor de revista, falando sobre uma antiga "glamour girl" que tinha se isolado em uma fazenda na América do Sul. Eu disse que achava bacana que ela tivesse conseguido deixar de ser uma celebridade. "É mesmo?", o editor respondeu com tristeza. "Eu vejo isso como uma desistência."
A fama tornou-se uma condição existencial: se sua imagem não é refletida de volta para você, então como sabe que está vivo?
O problema é que a visibilidade 24 horas causará, senão desprezo, uma familiaridade desgastada. É por isso que os tabloides precisam de uma nova geração de garotas e rapazes na capa a cada ano mais ou menos, um processo facilitado pela televisão-realidade.
A transparência, é claro, é em si mesma uma ilusão. Acompanhar os hábitos dietéticos de Gwyneth Paltrow não é realmente conhecê-la. O que toda essa informação detalhada faz é tornar seus fornecedores mais prosaicos e monótonos. Não é fácil para os famosos resistir às pressões da constante auto-revelação.
Jacqueline Onassis, uma mestre em continuar famosa e indecifrável, possuía uma espécie de megacelebridade autoalimentada que só aparece raramente; Diana, a princesa de Gales, também tinha isso. Meu coração encolheu quando vi que Julia Roberts se tornou a face símbolo de uma companhia de cosméticos. Roberts era uma das poucas estrelas contemporâneas que mantinha seu público a uma distância sedutora, uma posição que fez maravilhas para sua imagem. E, oh, o horror de ver Robert De Niro promovendo um filme em um programa de entrevistas...
Existe em nós uma fome de ver meros mortais se aproximarem da perfeição, e os artistas quase nunca são tão interessantes quanto sua arte.
Quando nos apaixonamos pela primeira vez pelas pessoas, elas sempre parecem distantes, inatingíveis. Manter o amor depois de atravessar a separação entre você e o objeto de seu desejo é um capítulo no caminho da maturidade. Mas existe uma parte de nós que precisa continuar se apaixonando pela garota na névoa à distância ou o rapaz que se afasta a galope no cavalo. Você sabe o que acontece quando tais garotas e rapazes de sonho abrem as bocas ou se coçam. O mistério se desfaz.
Então, para homenagear um tempo quase esquecido em que havia romance no que não se falava, e o mistério humano não era algo que pudesse ser solucionado com o fim de um episódio de TV, poderíamos fazer um momento de silêncio?
Não? Eu já sabia.


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