São Paulo, segunda-feira, 26 de outubro de 2009

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ANAND GIRIDHARADAS

Ensaio

Manifestações políticas na caixa registradora


Existe realmente o que chamamos de consumo ético?


Ele tem vários nomes: boicote, consumo ético, economia moral. Seja como você o chame, o ato de comprar está se tornando cada vez mais político em todo o mundo rico. Um carro não é mais só um carro, nem uma xícara de café é só uma xícara de café. Na era dos híbridos e do "fair trade" (comércio justo), o shopping center é um fórum para a manifestação de convicções e esperanças. Hoje podemos comprar não apenas créditos de carbono, frutas orgânicas e papel reciclado, mas também um iPod cuja aquisição combate a transmissão da Aids na África; um sapato da Timberland feito de lã biodegradável e couro curtido de forma orgânica; e camisinhas "fair trade", de látex sustentável. Mas, conforme a tendência ganha ímpeto, um debate se inicia: o consumo é uma nova forma de cidadania? Ou é um sinal de como a cidadania está desgastada? O consumo político não é novo: sua história percorre todo o movimento pelos direitos civis, a campanha contra o apartheid e outras causas. O que é novo é que boicotar está se transformando em enviar sinais positivos, e não apenas negativos, e é praticado cada vez mais por compradores da corrente dominante. Um estudo publicado recentemente na "Political Science Quarterly" concluiu que 62% dos americanos se dispõem a pagar US$ 5 a mais por um suéter de US$ 20 produzido de forma mais ética. Os defensores do consumo consciente veem esses custos excedentes como expressão política: cidadãos que usam o dinheiro para melhorar o mundo. Alguns até dizem que a manifestação por meio do dinheiro supera o voto: compramos todos os dias, mas votamos com bem menos frequência. Mas o consumo ético começou a atrair críticos. Um grupo deles afirma que a politização do consumo distorce os preços e promove o excesso de produção, enquanto impõe condições arbitrárias aos produtores -como insistir em que os agricultores pobres matriculem seus filhos na escola. Outro grupo de críticos lamenta que a cidadania tenha chegado a isso. Para eles, cidadania tem a ver com votar, protestar e escrever -envolver-se. Na era moderna, eles dizem, começamos a nos voltar para dentro. Em um artigo publicado no ano passado na revista médica britânica "The Lancet", os acadêmicos Colleen O'Manique e Ronald Labonte condenaram a RED, campanha de marketing do iPod e de outros produtos cuja compra ajuda a financiar a batalha contra o HIV na África. "Desconfiem da nova 'noblesse oblige' do século 21, que substitui a eficiência de programas para melhorar a saúde financiados por impostos e verbas por um modelo caritativo voltado para o consumo", eles escreveram. A cidadania de mercado, como os críticos a chamam, permite que o Estado fuja de suas responsabilidades, eles dizem. Bens públicos como os sistemas de saúde devem ser financiados publicamente, afirmam. Privatizar a compaixão pode tentar o Estado a negligenciar os problemas. A pergunta, no fundo, é: teríamos nós, com nossos carros, camisinhas e cenouras éticas, encontrado uma maneira de humanizar os mercados? Ou encontramos uma forma de tornar a política suportável, transformando-a em consumo?

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