São Paulo, segunda-feira, 27 de abril de 2009

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LENTE

Um mundo de criaturas conscientes

Ele tem o nome de um astro da música. Vive numa mansão. Cada movimento seu é registrado pelos paparazzi. Mas o que, exatamente, acontece na cabeça do novo cãozinho de estimação da família Obama? Será que ele tem consciência de seu status de "primeiro-cachorro"?
A pergunta vai direto ao cerne de uma discussão secular sobre quanto os animais realmente pensam e sentem. Será que, como postulou Descartes no século 17, eles não passam de autômatos destituídos de mente, que apenas reagem a estímulos? Ou, como insistem muitos donos de animais de estimação, eles são seres emocionais que têm seu nível próprio de consciência?
O cãozinho Bo provavelmente tem tanta consciência de seu status de celebridade quanto tem da existência de seu xará, o cantor norte-americano de blues Bo Diddley. No entanto, é possível que tenha plena consciência da posição que ocupa na família Obama. "Os cachorros não conhecem a fama", disse a Douglas Quenqua, do "New York Times", o professor de psicologia Stanley Coren, da Universidade da Colúmbia Britânica. Mas, acrescentou, eles conhecem seu lugar no bando. E, com os Obama tratando-o como um verdadeiro "cachorro alfa", "isso pode ser o equivalente à fama".
O senso de hierarquia é essencial à compreensão da cognição canina. "É o primeiro nível de consciência", disse Coren: "saber que você está ali e é uma entidade separada de todas as outras."
Opiniões como essa vêm derrubando ideias de Descartes nas últimas décadas. Uma pesquisadora na vanguarda dessa área é Irene M. Pepperberg. Seu trabalho intensivo de pesquisas com Alex, um papagaio africano que morreu em 2007, sugere que o pássaro não simplesmente "papagueava" as 150 palavras que formavam seu vocabulário.
Michiko Kakutani, do "New York Times", escreveu numa resenha do livro "Alex and Me", de Pepperberg, que o papagaio entendia formas, cores, tamanhos e até conceitos como "maior" e "nenhum". "Por extrapolação, Alex me ensinou que vivemos num mundo povoado por criaturas pensantes, conscientes", escreveu Pepperberg.
Algumas dessas criaturas aparentemente até vivem fases de luto. Natalie Angier, do "New York Times", escreveu sobre mães de macacos e outros símios que, em desespero, seguram seus filhos mortos durante semanas. E George Wittemyer, da Universidade Colorado State, descreveu o comportamento de elefantes após uma morte. "Uma fêmea ficou em pé ao lado do corpo, balançando-se. Outras colocaram a pata sobre a cabeça dela. Outros elefantes encostaram suas presas às delas. Faziam seus gestos e então iam embora." Os elefantes agiam de maneira "que se aproxima do que nós chamamos de reverência", escreveu Angier.
A ideia de que os humanos são os únicos seres que contemplam o futuro também vem sendo contestada. Henry Fountain, do "New York Times", citou o exemplo do chimpanzé Santino, que vive na Suécia e adora atirar pedras contra os humanos que visitam o zoo onde ele vive (por sorte, os chimpanzés não costumam ter boa pontaria).
Para Mathias Osvath, da Universidade Lund, não se trata de um ato espontâneo de agressão. Santino vem há 11 anos armazenando e escondendo as pedras e planejando os ataques. Diferentemente dos esquilos que guardam nozes para o inverno, o comportamento é consciente, não instintivo, revelando uma consciência cognitiva do futuro.
Os chimpanzés são mais inteligentes que os esquilos. Mas seria possível argumentar que o comportamento dos esquilos é mais evoluído.

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