São Paulo, segunda-feira, 27 de abril de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Geórgia e Putin: uma história de ódio

Por CLIFFORD J. LEVY

TBILISI, Geórgia - Uma das relações mais decisivas da era pós-soviética envolve o presidente georgiano, Mikhail Saakashvili, e o premiê russo, Vladimir Putin -uma luta entre dois homens com personalidades e aspirações absolutamente diferentes, mas certas semelhanças na forma como exercem o poder, ao menos segundo alguns de seus detratores.
É uma divergência que tem consequências abrangentes para o Ocidente, culminando na guerra de agosto passado que foi facilmente vencida pela Rússia e que causou as piores tensões entre Washington e Moscou desde o fim da Guerra Fria. E, embora os ânimos já tenham amainado um pouco, os ressentimentos entre Saakashvili e Putin são uma razão primária para que o Cáucaso continue sendo tamanha fonte de preocupação para os EUA.
A importância dos dois líderes na relação entre os seus países reflete o intenso papel da personalidade nos governos dos Estados ex-soviéticos, onde as estruturas oficiais tendem a ser fracas, e os valores democráticos, mais fracos ainda.
A relação deles se tornou ruim em parte porque cada um parece buscar ser a figura mais influente no espaço pós-soviético. Ambos desejam mostrar o caminho e transformar sua nação em modelo. Putin obviamente é o mais poderoso dos dois, razão pela qual pode ser ainda mais irritante para ele que Saakashvili tenha tido algum sucesso em sua aproximação com os EUA.
Agora que os dois estão rompidos a ponto de não se falarem, a antipatia mútua de certa forma define o atual estado das relações entre Rússia e Geórgia. "Eles se odeiam", disse Zurab Abashidze, ex-embaixador georgiano em Moscou. "Ouvi, muitas vezes, declarações muito emocionais de Saakashvili e de pessoas em torno dele a respeito de Putin. E infelizmente esse elemento pessoal na vida política da Rússia e também da Geórgia ainda é muito importante."
Em Tbilisi, a fixação por Putin é tão arraigada que se tornou uma tendência subjacente nos protestos deste mês que exigem a renúncia de Saakashvili. Os russos mantêm um profundo afeto pela cultura, a sociedade e a gastronomia georgianas, mas ao mesmo tempo a velha guarda em Moscou às vezes vê a Geórgia como uma província desgarrada. Saakashvili tentou romper os vínculos tradicionais ao aliar ostensivamente a Geórgia com Washington, chegando até a batizar uma avenida com o nome de George W. Bush.
"Sempre temos na Rússia a imagem de um grande irmão em relação a Geórgia, Ucrânia, Uzbequistão -é o complexo do grande irmão", disse Aleksandr Asmolov, professor de psicologia na Universidade Estatal de Moscou. "Assim que o irmão mais velho vê o irmão caçula começando a se portar mal, a se meter em travessuras, ocorre uma discórdia realmente aguda."
E há também um lado da relação que provoca acalorados debates em Tbilisi, onde os rivais de Saakashvili o consideram um autocrata.
Uma vez que as relações se deterioraram gravemente ao longo do último ano, assessores de Saakashvili têm tentado minimizar os problemas com Putin, aparentemente temendo que eles chamassem demais a atenção para a personalidade desproporcional do próprio Saakashvili.
"Todo presidente georgiano, quando tentou construir um Estado georgiano, enfrentou o mesmo problema com a Rússia", disse o vice-chanceler Giga Bokeria. Mesmo assim, Saakashvili não esconde facilmente as cicatrizes. Falando em novembro ao Parlamento, negou ter feito "agressões pessoais" a Putin, inclusive xingando-o. Mas em seguida Saakashvili se voltou para as muitas maneiras pelas quais já foi difamado. "Eu tinha razões para me tornar amargurado", afirmou.


Texto Anterior: Cavalo inspira onda patriótica na Hungria
Próximo Texto: China quer liderar revolução de carros elétricos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.