São Paulo, segunda-feira, 27 de abril de 2009

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Cavalo inspira onda patriótica na Hungria

Por NICHOLAS KULISH

BUDAPESTE - Um cavalo de corrida comprado por uma ninharia virou herói nacional na Hungria, país duramente atingido pela crise econômica. O puro-sangue conhecido como Overdose correu na pista de Kincsem Park no último dia 19, quando ampliou seu recorde de vitórias para 12 em 12 corridas. Seu jóquei vestia as cores da bandeira húngara: vermelho, branco e verde.
E, ao menos naquela tarde, a multidão de mais de 20 mil pessoas que assistiu à corrida nas arquibancadas e diante da grade, sem falar nos húngaros que a acompanharam desde suas casas, conseguiu esquecer a renúncia do primeiro-ministro Ferenc Gyurcsany e o mergulho mortal feito pela moeda da Hungria.
Ao mesmo tempo em que a situação do país se complica, Overdose se converte no equivalente húngaro a Seabiscuit, cavalo visto símbolo da esperança para os americanos durante a Grande Depressão. Os húngaros parecem enxergar-se no cavalo: subestimados, subvalorizados. "Este cavalo tem uma missão a cumprir aqui na Hungria", disse o proprietário de Overdose, Zoltan Mikoczy.
O país já estava profundamente endividado e apresentava crescimento anêmico antes da chegada da crise global de crédito, no ano passado, que o obrigou a pedir socorro ao Fundo Monetário Internacional. Agora, porém, em lugar de falências e pacotes de socorro, as conversas vêm girando em torno do novo e espalhafatoso jóquei belga de Overdose, Christophe Soumillon.
"Posso comparar Overdose a Seabiscuit", disse Zalan Horvath, secretário da Associação para o Futuro dos Esportes Equestres na Hungria. "Digo isso porque a nação húngara já passou por muitos tempos difíceis, nos séculos passados e mais recentemente." Em Roma e em Baden-Baden, na Alemanha, ninguém previu vitórias do cavalo. "Quando Overdose chegou, não esperávamos nada dele", contou o treinador do cavalo, Sandor Ribarszki, que já declarou, brincando, que Overdose é "baixinho" e "feinho". Agora Ribarszki fica acordado à noite, preocupando-se com a possibilidade de algo acontecer com ele.
Mikoczy contou que, desde que a sucessão de vitórias de Overdose começou, já lhe ofereceram US$ 6,5 milhões pelo cavalo, mas ele se negou a vendê-lo. "Não o comprei para fazer negócios ou ganhar dinheiro", explicou Mikoczy. "Não se vende um sonho." Overdose já foi descrito como Wunderpferd, ou cavalo milagroso, na Alemanha e no Reino Unido ganhou o apelido de Bala de Budapeste. Ele treina na Hungria e usa as cores do país, mas seu proprietário, etnicamente húngaro, vive na vizinha Eslováquia. "É importante que o cavalo continue a ser húngaro", disse Mikoczy, apesar de as instalações disponíveis em outros países serem superiores.
A recepção dada a Overdose possui um claro viés patriótico. Ele chegou à pista em 19 de abril acompanhado de uma guarda de honra de seis cavaleiros portando estandartes e trajando o uniforme dos hussardos, a famosa cavalaria leve húngara, e foi saudado por dezenas de milhares de fãs delirantes. "Para nós, húngaros, é uma coisa muito importante", comentou Livia Nagy, 23, uma das milhares de pessoas que compareceu para a corrida. "Overdose é algo do qual podemos nos orgulhar."
A popularidade do cavalo tem atraído até políticos. Viktor Orban, presidente do partido de centro-direita Fidesz e ex-primeiro-ministro que espera retornar ao cargo na eleição do próximo ano, posou recentemente para as câmeras de TV ao lado de Overdose. "'Fracasso' é o termo mais frequentemente ouvido na Hungria de hoje. Quando um cavalo é capaz de criar um milagre desse tipo a partir do nada, isso assinala a esperança de que consigamos sair da situação desesperadora em que nos encontramos", disse Orban.


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