São Paulo, segunda-feira, 27 de julho de 2009

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

ENSAIO

TARA PARKER-POPE


Como os alimentos cativam nosso cérebro

Como diretor da agência que regula alimentos e drogas nos EUA (FDA na sigla em inglês), David A. Kessler serviu a dois presidentes e combateu o Congresso e a indústria de tabaco. Mas o pediatra formado em Harvard descobriu que era impotente contra os poderes de um biscoito de chocolate. Kessler testou sua força de vontade comprando dois biscoitos de chocolate que não pretendia comer.
Em casa, viu-se olhando para os biscoitos e pensando neles. Ele saiu de casa, e os biscoitos ficaram intactos. Sentindo-se triunfante, ele parou para tomar um café, viu biscoitos sobre o balcão e engoliu um. "Por que aquele biscoito de chocolate teve tal poder sobre mim?", Kessler perguntou em uma entrevista. "É o biscoito, ou a representação dele em meu cérebro? Passei sete anos tentando descobrir a resposta."
O resultado da busca de Kessler é um novo livro fascinante, "The End of Overeating: Taking Control of the Insatiable American Appetite" (O fim dos excessos alimentares: assumindo o controle do insaciável apetite americano). Durante seu período na FDA, Kessler talvez tenha sido mais conhecido por seus esforços para investigar e regulamentar a indústria do tabaco e sua acusação de que os fabricantes de cigarros manipulavam intencionalmente o conteúdo de nicotina para tornar seus produtos mais viciantes.
Em seu livro, Kessler vê algumas semelhanças na indústria alimentícia, que combinou e criou alimentos de maneiras que usas nosso circuito cerebral e estimulam nosso desejo de comer mais. No que diz respeito a estimular nossos cérebros, Kessler notou, os ingredientes individuais não são particularmente poderosos.
Mas, ao combinar gorduras, açúcar e sal de diversas maneiras, os fabricantes de alimentos utilizam o sistema de recompensas do cérebro, criando um ciclo que estimula o desejo de comer mesmo quando já estamos satisfeitos. Kessler não está convencido de que os fabricantes de alimentos compreendem totalmente a neurociência das forças que eles libertaram, mas eles certamente compreendem o comportamento humano, as preferências de gosto e desejo.
Os alimentos que contêm muito pouco ou um excesso de açúcar, gordura ou sal são sem graça ou enjoativos. Mas os cientistas da alimentação trabalham duro para atingir o ponto preciso em que extraímos o maior prazer desses produtos. Kessler o descreve como o "ponto de extase". Os alimentos ricos em açúcar e gorduras são relativamente recém chegados à paisagem alimentar, comentou Kessler.
Mas hoje os alimentos são mais que apenas uma combinação de ingredientes. São criações complexas, carregados de camadas de sabores e estimulantes que resultam em uma experiência multissensorial para o cérebro. As companhias "criam alimentos para serem irresistíveis", disse. "Faz parte de seus planos empresariais." Mas o livro é menos uma exposição sobre a indústria alimentícia que uma exploração dos consumidores. "Meu objetivo é: como você explica para as pessoas o que está acontecendo com elas?", disse Kessler.
"Ninguém nunca explicou para as pessoas como seus cérebros foram capturados." O livro inclui a confissão do próprio autor de que luta contra os excessos alimentares. "Eu não teria me interessado tanto pela questão de por que não conseguimos resistir à comida se eu mesmo não tivesse esse problema", disse. "Já ganhei e perdi meu peso corporal várias vezes."
Uma de suas principais mensagens é que comer demais não se deve a uma ausência de força de vontade, mas é um desafio biológico que se torna mais difícil devido ao ambiente alimentar superestimulante que nos rodeia. A alimentação planejada e estruturada e a compreensão de seus gatilhos alimentares pessoais são essenciais.
Além disso, educar-se sobre alimentos pode ajudá-lo a modificar suas percepções sobre que tipos de alimentos são desejáveis. Assim como muitas pessoas hoje acham o cigarro repulsivo, Kessler afirma que podemos passar por "mudanças de percepção" semelhantes sobre grandes porções e sobre alimentos processados.
Por exemplo, ele nota que quando pessoas que já gostaram de carne se tornam vegetarianas, geralmente passam a repelir a proteína animal. O conselho não é uma solução rápida ou uma garantia, mas Kessler disse que informar-se enquanto escrevia o livro o ajudou a adquirir o controle de sua alimentação.
"Pela primeira vez na vida, consigo manter meu peso relativamente estável", disse. "Agora, se você me deixar estressado, vou atacar aqueles biscoitos de chocolate. O antigo circuito vai aparecer de novo."


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