São Paulo, segunda-feira, 27 de julho de 2009

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ARTE & ESTILO

ENSAIO

MICHAEL KIMMELMAN


Urna histórica faz longa jornada de volta à casa

CERVETERI, Itália - O maior prêmio da Itália na guerra contra o roubo de antiguidades foi exposto recentemente na Villa Giulia, em Roma. O prêmio em questão é a magnífica e famosa urna do século 6 a.C., pintada com figuras vermelhas, do artista grego Euphronios, que o Metropolitan Museum of Art, de Nova York, devolveu recentemente: o "vaso quente", como o chamava em tom de brincadeira Thomas Hoving, ex-diretor do museu, que o comprou em 1972. Uma exposição de antiguidades recuperadas promovida no Quirinale, em Roma, no ano passado, foi a festa de volta para casa do artefato.
Agora o vaso se encontra na Villa Giulia, seu novo lar permanente, exposto numa grande vitrine de vidro com luzinhas de Natal. Talvez sua superexposição explique porque os italianos não consideraram sua devolução uma notícia especialmente importante.
Um livro que acaba de chegar às livrarias pode ajudar a atrair interesse para o vaso. "The Lost Chalice: The Epic Hunt for a Priceless Masterpiece" (O cálice perdido: a busca épica por uma obra-prima sem preço), que acaba de ser lançado pela editora William Morrow, é uma leitura interessante que acompanha as andanças da cratera roubada, desde a Grécia da Antiguidade até a Itália dos etruscos, para Nova York e de volta à Itália. Além disso, relata o percurso seguido por outra obra de Euphronios, um kylix, ou cálice, roubado do mesmo lugar de Cerveteri, cidade a noroeste de Roma.
O livro foi escrito por Vernon Silver, 40, jornalista americano e doutorando em arqueologia em Oxford. "Mostro um caso pequeno para ilustrar todo o comércio ilícito de antiguidades", disse ele. "Os dois artefatos começaram nas mãos do mesmo artista grego, 2.500 anos atrás, acabaram passando pelo mesmo comerciante italiano desonesto, chegando aos EUA por rotas diferentes -um pela rota pública, outro pela clandestina-, e os dois acabaram voltando para a Itália."
Nem as autoridades do Metropolitan Museum, nem as italianas vão gostar de ver essa história relatada com tantas minúcias. Descobrimos que foram cometidos muitos deslizes de ambas as partes, antes mesmo de o Met (evidentemente sem se esforçar muito para verificar os fatos) pagar US$ 1 milhão -valor inusitado na época- pelo mais belo exemplar de cerâmica pintada pelo maior pintor conhecido de vasos da Antiguidade grega.
A versão do museu era que a urna, que ilustra a história homérica da morte de Sarpedon, filho de Zeus, pertencia a um colecionador libanês. Mas começaram a circular rumores de que ela tinha sido roubada. A polícia italiana procurou evidências em Cerveteri, antiga cidade etrusca de Caere, conhecida por suas tumbas antigas. Não por coincidência, a Cerveteri da atualidade é famosa por seus ladrões de túmulos.
Vernon Silver retornou no mês passado para um terreno rural próximo à cidade onde, no final de 1971, uma sentinela ficou vigiando enquanto cinco ladrões de túmulos encontraram um complexo de câmaras mortuárias da Antiguidade, com objetos de cerâmica pintada. Um homem comprou os objetos dos ladrões e os entregou a um restaurador. Os objetos acabaram em mãos de um revendedor, que procurou o Met. Meses mais tarde, quando leram nos jornais o valor que o museu pagara pela urna, os ladrões perceberam que os intermediários haviam tirado proveito deles.
Para cobrir seus rastros, os ladrões fecharam os túneis com terra. Depois disso, investigadores italianos apressados, ansiosos por encontrar os túmulos saqueados, nivelaram o chão do local com máquinas de terraplanagem. Com isso, tornou-se impossível reconstruir a disposição das obras no momento em que os ladrões as encontraram. "Se alguém tivesse feito uma escavação correta no local, poderíamos ter aprendido muito mais sobre os etruscos", lamentou Silver.
Caso ainda reste alguma dúvida quanto ao fato de as obras de Euphronios realmente terem sido saqueadas, ainda é possível falar com Francesco Bartocci, 70. Pelo que ele sabe, ele é o último sobrevivente do grupo de ladrões. Foi ele quem fez o papel de vigia. Bartocci quis deixar claro que aquela foi a única vez em que foi saqueador: "Sou agricultor, não ladrão, mas eu tinha um caminhão. Eles [ladrões] precisavam do caminhão porque havia muita coisa para levar."
Bartocci está contente pelo fato de a urna de Euphronios ter retornado à Itália. "Mas é melhor que não venha para Cerveteri", ressalvou. "Seria perigoso demais. Alguém poderia roubar o vaso."


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