São Paulo, segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

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Coreias sob tensão constante

"A Coreia do Sul é superior à Coreia do Norte em tudo, exceto na disciplina. Se houver uma guerra, e o fator crucial for o psicológico, eles ainda venceriam"
KIM SHIN-JO

Por MARK McDONALD

SEUL, Coreia do Sul - O comando norte-coreano percebeu logo que seu erro fatal foi não ter matado os camponeses sul-coreanos quando teve a chance de fazê-lo. As ordens que recebera eram claras: se ele e outros matadores do grupo topassem com civis, deveriam matá-los, enterrá-los e levar adiante sua missão de entrar em Seul despercebidos e matar o presidente em sua residência oficial, a Casa Azul.
Mas era final de janeiro, o chão estava congelado, e Kim Shin-jo, 27, tenente das forças especiais da Coreia do Norte, não quis fazer esforço de cavar sepulturas. Os moradores do vilarejo procuraram a polícia, que alertou as Forças Armadas. "Foi então que começou a dar errado", contou Kim.
Vestidos como soldados sul-coreanos, os 31 comandos comunistas se esquivaram de seus perseguidores por três dias e chegaram a cem metros de distância da Casa Azul, onde foram confrontados em 21 de janeiro de 1968.
Seguiu-se uma intensa troca de tiros na qual morreram dezenas de soldados e civis sul-coreanos. Um ônibus escolar foi incendiado no fogo cruzado, e três soldados americanos morreram.
Todos menos dois dos atacantes cometeram suicídio ou foram mortos. Um dos sobreviventes era um comando que conseguiu retornar à Coreia do Norte em segurança e, mais tarde, tornou-se general. O outro era Kim.
Após um ano de interrogatórios, Kim se surpreendeu ao ser perdoado, aparentemente porque constatou-se que ele não tinha disparado sua arma. Depois disso, renasceu, primeiro como cidadão sul-coreano e depois como pastor presbiteriano. Ele conheceu sua mulher um ano depois de ser libertado, e, hoje, eles têm dois filhos adultos.
Recentemente, o presidente sul-coreano, Lee Myung-back, nomeou Kim, 69, para o cargo de assessor de direitos humanos do Grande Partido Nacional, o partido governista.
Na esteira do ataque de artilharia lançado pela Coreia do Norte em novembro contra a ilha de Yeonpyeong, na Coreia do Sul, que matou dois fuzileiros navais e dois civis, Kim lançou um chamado aberto por uma nova prontidão militar na Coreia do Sul.
"Um vilarejo inteiro foi bombardeado até o ponto da destruição, e, com a exceção de alguns poucos que querem retaliar, o resto do país não está preparado, em termos de disciplina", disse. "A Coreia do Sul é superior à Coreia do Norte em tudo, exceto na disciplina. Se houver uma guerra, e o fator crucial for o psicológico, eles (os norte-coreanos) ainda venceriam."
Kim defende a suspensão da ajuda à Coreia do Norte, incluindo a alimentar humanitária das Nações Unidas, além de longos períodos de serviço militar obrigatório para os sul-coreanos jovens.
Mesmo hoje, os detalhes daquela missão de muitos anos atrás estão frescos em sua memória. Kim se recordou de ter ficado surpreso ao ver tantos carros e ao ver o tamanho das casas, comparadas às casas do seu país, e de ver como as luzes da cidade brilhavam fortes na noite. "Tínhamos aprendido que a Coreia do Sul vivia na idade das trevas", ele contou.
E ele se recorda de ter se rendido: "Eu era jovem, era solteiro. Eu quis me salvar."


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