São Paulo, segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

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Coma somente na imaginação

A imaginação pode ser a base da sua dieta

JOHN TIERNEY
ENSAIO

Um novo estudo constata que imaginar que estão comendo ajuda as pessoas a comer menos.
Em experimentos na Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, relatados na "Science", quando pessoas se imaginaram comendo doces ou fatias de queijo, a probabilidade de se empanturrarem com os alimentos reais diminuiu.
Esse tipo de dieta mental soa contraintuitiva, pois todos nós estamos familiarizados com o fenômeno oposto: pensar em comida nos faz sentir vontade de comer.
Existe um fenômeno chamado sensibilização ou reação a estímulos: se você se imagina comendo chocolate, seu desejo por chocolate aumenta, e o pensamento pode levá-lo a literalmente ficar com água na boca.
Do mesmo modo, imaginar o cheiro ou a visão de um cigarro intensifica o desejo do fumante de acender um cigarro.
Depois de algum tempo, esse efeito é contrabalançado por fenômeno igualmente bem documentado chamado habituação. Do mesmo modo como você se ajusta a luzes fortes e deixa de se incomodar com cheiros ruins, você se habitua a um alimento à medida que o consome.
"Depois de comer o primeiro cheeseburguer no White Castle" (um restaurante), "seu desejo por hambúrguer provavelmente estará ainda mais forte do que estava antes de começar a comer", diz Carey Morewedge, psicólogo na Carnegie Mellon e autor principal do artigo. "Mas, quando começar a comer o oitavo cheeseburguer, é provável que essa vontade já tenha diminuído."
De acordo com Morewedge e seus colegas Young Eun Huh e Joachim Vosgerau, os experimentos promovidos pela Carnegie Mellon são os primeiros a demonstrar que a habituação a alimentos pode ocorrer quando se pensa em comer, simplesmente.
Para que ocorresse o efeito, foi preciso "comer" muito, mentalmente, e era específico para cada alimento testado: os que se imaginavam comendo doces não perdiam o desejo de devorar um queijo.
O comer imaginário não deixava as pessoas se sentindo saciadas, nem mudava suas opiniões sobre os alimentos que comiam.
A influência da mente sobre o estômago foi demonstrada em 1998 em um experimento feito com dois homens cujas funções mentais eram normais, exceto por uma forma grave de amnésia. Eram incapazes de se recordar de um acontecimento por mais de um minuto. Seus hábitos alimentares foram estudados por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia comandados por Paul Rozin.
Depois de cada um dos homens almoçar, a comida era levada embora da mesa. Alguns minutos mais tarde, um pesquisador aparecia com uma refeição idêntica e anunciava: "O almoço chegou". Os homens sempre comiam novamente. Então, depois de os pratos serem retirados, e passados alguns minutos, um terceiro almoço era servido, e os homens o consumiam.
Quando os pesquisadores tentaram reproduzir o experimento com um grupo de controle feito de pessoas com memórias normais, todas recusaram o segundo almoço. Diferentemente dos homens com amnésia, todas sentiam menos fome depois de comer.
Agora parece que memórias de alimentos imaginários podem afetar o desejo das pessoas de comer. Leonard Epstein, especialista na habituação à comida, disse que está impressionado com o estudo do Carnegie Mellon. Psicólogo em Nova York, diz que os resultados suscitam perguntas interessantes.
"Será que é possível reproduzir os efeitos ao longo do tempo ou eles só funcionam uma ou duas vezes?", ele perguntou. "Funcionam para todo o mundo, incluindo os obesos? Funcionam com todos os alimentos?"
Morewedge diz que é cedo para responder ou para dizer se a ideia vai funcionar com substâncias que provocam dependência, como o tabaco.
Se sim, talvez as pessoas pudessem ser habituadas de modo a reduzir outros hábitos ou dependências indesejados, como o desejo sexual, o desejo de fazer compras ou o hábito de procrastinar.
Morewedge diz que o processo de habituação é inibido pela variedade; portanto, para que ocorresse com outras atividades que não o ato de comer, seria preciso imaginar o mesmo ato sendo realizado exatamente da mesma maneira. "Não adiantaria simplesmente imaginar um bife inteiro", ele explica. "Seria preciso imaginar-se comendo o bife, um pedaço de cada vez."


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