São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

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Nicarágua evoca passado rebelde

Por BLAKE SCHMIDT

MANÁGUA, Nicarágua - Entre os retratos do mais venerado herói guerrilheiro da Nicarágua, Augusto Sandino -com o chapéu Stetson que era sua marca registrada-, que adornam uma nova exposição no Banco Central em Manágua, há um mapa genealógico incomum que o conecta a outra figura de grande destaque no país: o presidente Daniel Ortega.
Os nomes de Sandino e Ortega são os únicos destacados, em vermelho, como se fossem os únicos dois frutos pendurados da árvore da família Sandino.
O engrandecimento de Ortega, que se casou com uma descendente de Sandino, evidencia-se cada vez mais nos monumentos em homenagem ao passado revolucionário do país.
Aqui, na capital, um novo museu dedicado à revolução sandinista, que derrubou a ditadura de Somoza em 1979, situa Ortega na linha de frente da guerra aos "contras" que se seguiu à revolução. Ao norte da cidade, outro Museu da Revolução inclui um novo nicho que rende homenagem a Ortega.
A Suprema Corte, controlada pelos sandinistas, autorizou Ortega a candidatar-se à reeleição, reinterpretando uma proibição constitucional contra mandatos consecutivos ou mais de dois mandatos de um mesmo presidente. A eleição será apenas em novembro, mas Ortega e seu partido parecem ansiosos por reforçar suas chances, embutindo o presidente na memória revolucionária do país.
Além de divulgar seus laços familiares com Sandino, o partido está reativando uma caçada pelos restos mortais do herói, procurados há 77 anos.
Apesar de seu adversário, o general Anastasio Somoza Garcia, ter tentado caracterizar Sandino como bandido implacável, o líder rebelde foi nomeado herói nacional por unanimidade há pouco mais de um ano.
Os fundadores da Frente Sandinista de Libertação Nacional referiram-se aos escritos de Sandino e deram o nome dele a seu movimento. Os descendentes de Sandino, seus restos mortais, seu chapéu, suas botas e seus escritos, rabiscados enquanto fugia dos marines, continuam a ajudar a moldar a identidade nacional.
Mas os detalhes de seu assassinato e do paradeiro de seus restos mortais estão entre os mistérios mais duradouros da Nicarágua. Reza a lenda sandinista que os assassinos a serviço do general Somoza decapitaram e desmembraram Sandino, usando o mesmo método com o qual os generais do rebelde tinham mutilado seus próprios inimigos. Então, eles teriam entregado sua cabeça a Washington, como símbolo de lealdade, ou, pelo menos, é o que diz a lenda.
Alguns historiadores creem que o legado de Sandino era motivo de preocupação tão grande para o general Somoza que o rebelde teria sido sepultado novamente em outro local, para despistar as pessoas que buscavam seu corpo, ou incinerado, para que o corpo nunca caísse nas mãos de seus seguidores.
O autor sandinista Sergio Ramirez, ex-vice de Ortega, contou que, nos anos 1980, o governo contratou um arqueólogo para comandar uma escavação infrutífera em Manágua em busca dos restos de Sandino. "Esse é um capítulo fechado", disse Ramirez.
Mas não para Ortega. Pessoas próximas ao governo, além de um historiador, comentaram que, recentemente, os sandinistas teriam enviado funcionários da rede de água e esgotos para investigar uma pista segundo a qual os restos mortais de Sandino estariam enterrados em um local que hoje é um bairro de Manágua.
Em sua residência elegante em Manágua, Walter Sandino, um dos três netos sobreviventes do guerrilheiro ícone, prometeu não desistir da busca. "É poético declarar que o espírito de Sandino vive em toda a Nicarágua, mas queremos enterrá-lo fisicamente em um cemitério, como qualquer outra pessoa", disse Sandino.


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