São Paulo, segunda-feira, 29 de março de 2010

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A aliança Obama-Hillary

Os ex-rivais passaram a ser colaboradores

Pete Souza/White House
Obama tem acatado conselhos da chanceler Hillary Clinton em temas como o endurecimento frente ao Irã e o envio de mais tropas ao Afeganistão

Por MARK LANDLER e HELENE COOPER

WASHINGTON
Numa quinta-feira do mês passado, pouco antes da sua reunião semanal com o presidente dos EUA, Barack Obama, a chanceler Hillary Clinton recebeu um telefonema preocupante: seu marido, Bill Clinton, estava internado com dores no peito e precisava de um procedimento cardíaco de urgência.
Durante a reunião no Salão Oval, Hillary e Obama conversaram sobre a viagem que a secretária de Estado dos EUA planejava ao golfo Pérsico. "Ninguém tinha nem ideia" das preocupações pessoais dela, disse um alto funcionário da Casa Branca que estava presente. Em seguida, Hillary correu para pegar um avião para Nova York, onde estava seu marido.
Mas o fato de antes ela passar 45 minutos traçando uma estratégia sobre o Irã com o homem que a derrotou nas primárias democratas de 2008 mostra como Obama e Hillary avançaram desde que ele disparou que as credenciais dela em termos de política externa consistiam em bebericar chá com líderes mundiais, enquanto ela zombava que as dele se resumiam a ter vivido na Indonésia aos dez anos de idade.
Transcorridos 16 meses desde a surpreendente nomeação dela como secretária de Estado americana, a dupla volta a surpreender quase todos ao forjar uma parceria crível. Hillary provou-se interessada em atuar em equipe, uma defensora incansável do governo -até mesmo deferente a Obama- e cuidadosa em garantir que seu marido, como ex-presidente, não faça sombra ao chefe dela.
Obama tem sido solícito com Hillary, rendendo-se eventualmente a ela em debates internos e até demonstrando sinais de adotar algumas das visões de mundo mais belicosas da secretária. Ambos brincam com seu status de "aminimigos".
"Hillary Clinton é a secretária de Estado", disse David Rothkopf, ex-membro do governo de Bill Clinton (1993-2001) e autor de ensaios sobre a política externa dos EUA. "A questão agora é se ela se torna uma conselheira real, e se ele confia nela."
Obama protege zelosamente suas prerrogativas como arquiteto da política externa dos EUA, concentrando na Casa Branca decisões cruciais sobre Irã, Iraque e Oriente Médio. E Hillary ainda não reivindicou para si nenhuma questão central da política externa.
Antes, é claro, eles precisam fazer história. Até agora, a política externa do governo Obama é marcada mais por frustrações do que por feitos -da teimosa Rússia e da desafiadora China até o impasse nuclear com o Irã e o agravamento dos atritos com Israel, sobre os quais Hillary deu voz à insatisfação presidencial. A preocupação dominante da política externa obamista -o conflito no Afeganistão e Paquistão- continua em aberto.
Entrevistas com mais de 12 altos funcionários da Casa Branca e do Departamento de Estado, e também com amigos de Obama e Hillary, sugerem que o presidente e sua chanceler ainda estão se acostumando à aliança. Essas fontes descrevem um histórico de cultivo exaustivo da relação e de ambições sublimadas, de diplomacia intuitiva e de reuniões ritualizadas na Casa Branca.
Para Hillary, uma passagem bem-sucedida pelo cargo pode lhe dar mais lustro caso decida disputar a Presidência outra vez. Para Obama, manter Hillary satisfeita garante que ela não volte a ser uma adversária.
"Acho que desenvolvemos uma ótima relação, realmente positiva [...] a respeito de tudo o que se possa imaginar", disse Hillary. "E tivemos algumas experiências interessantes e até excepcionais no caminho."
Hillary tratou de rapidamente afastar qualquer suspeita na Casa Branca de que montaria uma espécie de governo paralelo no Departamento de Estado. Ela adotou a mensagem de envolvimento do presidente, ziguezagueando pelo globo para resolver atritos com a Rússia, para acalmar o Paquistão e para animar aliados europeus. Na China, minimizou a questão dos direitos humanos, causa que havia defendido numa conferência sobre mulheres em 1995 em Pequim. Voluntariou-se para defender Obama quando ele foi criticado pela direita por ter abandonado os planos do governo de George W. Bush para instalar sistemas antimísseis na Polônia e na República Tcheca.
Mas não está claro que ela tenha tido um papel central em grandes questões. A respeito do Oriente Médio, tradicionalmente o núcleo da sua pasta, ela pareceu mais uma cumpridora da visão de Obama do que uma definidora de políticas. O cotidiano diplomático na região é tocado por um enviado especial, o ex-senador George Mitchell. E a primeira grande empreitada do governo no processo de paz -o infrutífero esforço para persuadir Israel a congelar a construção de assentamentos judaicos, em troca de gestos árabes para Israel- foi em grande parte concebida por Obama e seu chefe de gabinete (equivalente no Brasil a ministro-chefe da Casa Civil), Rahm Emanuel.
Quanto ao Afeganistão, Obama seguiu o conselho de Hillary para enviar mais tropas, mas ela estava ecoando a recomendação do secretário da Defesa, Robert Gates. E, quanto ao Iraque, ele transferiu a responsabilidade ao vice-presidente, Joe Biden.
"Se você perguntar às pessoas que estão há muito tempo no governo, elas lhe dirão que esta é uma das operações de definição de políticas mais centralizadas que já houve", disse Leslie Gelb, presidente emérito do Conselho de Relações Exteriores.
Funcionários do governo garantem que Hillary participa dos principais debates e expressa suas opiniões. E apontam que ela assumiu a liderança na busca por apoios a sanções mais duras contra o Irã. Os líderes iranianos esnobaram os acenos de paz de Obama, forçando a Casa Branca a se lançar na campanha de pressão que Hillary há muito tempo já acreditava ser praticamente inevitável.
O assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, general James Jones, insiste em que Hillary assumiu algumas questões para si, citando seu esforço para que a ajuda internacional se torne uma parte mais integral da política externa dos EUA. "Ela está lá para alguma coisa", disse Jones.


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