São Paulo, segunda-feira, 29 de março de 2010

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Policiais vivem com medo no caótico Daguestão

Por ELLEN BARRY

MAKHACHKALA, Rússia - Em certo momento no ano passado, quando franco-atiradores postados sobre telhados começaram a abater policiais daguestaneses, a mulher do coronel Mukhtar Mukhtarov bloqueou a porta com seu corpo para impedi-lo de sair de casa trajando seu uniforme.
Durante 25 anos, uma das grandes alegrias da vida de Mukhtarov foi percorrer as ruas em sua boina policial de listras vermelhas. Mas, no ano passado, tudo isso sofreu uma reviravolta tão completa que, diante da atitude de sua mulher, ele voltou a seu quarto e vestiu suas roupas civis.
Seu filho Gassan, 20, policial de rua, só conheceu sua profissão dessa maneira -marcada pelo medo. Ele se troca em seu carro quando chega à delegacia. Ciente do fato de que militantes com frequência seguem policiais durante dias antes de matá-los -às vezes seu pescoço fica arrepiado devido à sensação de estar sendo vigiado-, Gassan Mukhtarov troca as placas de sua viatura com as de amigos, para dificultar o trabalho de quem o espreita. Mas ele ainda não está seguro.
"Eles souberam quem eu era logo no primeiro dia", explicou.
Tudo isso é revelador de quão completamente a desordem se instalou na república russa do Daguestão, no norte do Cáucaso. Segundo o Ministério do Interior da república, 58 policiais foram mortos em ataques ali em 2009, muitos deles enquanto realizavam tarefas cotidianas ou estavam parados em seus postos. Só no mês passado, segundo relatos da imprensa, 13 policiais foram mortos em ataques a bomba e execuções cometidas ao estilo das ações dos bandidos.
Depois dos crimes, os pistoleiros -uma combinação de militantes islâmicos, jovens alienados, criminosos comuns e soldados rasos de exércitos particulares- simplesmente se fundem com a cidade novamente e são descritos como "autores desconhecidos" nos jornais do dia seguinte.
À medida que o número de ataques dobrava -de cem em 2008 para 201 no ano passado-, as autoridades tentaram propor soluções paliativas. As listras azuis foram apagadas da maioria das viaturas, e os policiais foram informados de que não precisam mais trajar seus uniformes quando estão a caminho do trabalho. Um fato bizarro é que hoje, na capital do Daguestão, Makhachkala, cada policial de trânsito conta com o apoio de um policial da tropa antimotim, trajando uniforme de camuflagem e com fuzil Kalashnikov pronto para atirar.
Mesmo assim, disse o tenente Gassan Mukhtarov, os recrutas vêm sendo pressionados por familiares e amigos a desistir de trabalhar para a polícia. "Se você tivesse um filho, o deixaria trabalhar como policial?", indagou. "Eu não deixaria meu próprio filho fazer isso."
Vista como corrupta e brutal, a polícia ocupa um lugar desprezível na sociedade russa. Mas nenhum ambiente é mais hostil a policiais que o norte do Cáucaso, onde os choques ocasionais com militantes têm se intensificado, aproximando-se a uma guerra de guerrilha.
A Rússia tenta eliminar a militância clandestina desde o final dos anos 1990, quando separatistas se transferiram de bases na vizinha Tchetchênia para o Daguestão. Mas, pelo fato de Moscou preferir retratar o conflito como sendo um problema policial, e não político, boa parte do ônus do combate a ele foi transferido para a polícia, disse Alexei V. Malashenko, especialista no Cáucaso junto ao Centro Carnegie Moscou.
Essa guerra deixou um resíduo de revolta entre o público. Relatos sobre sequestros e assassinatos de civis são comuns na esteira das operações antiterrorismo, embora, no meio dos grupos de homens mascarados que levam suspeitos embora, seja difícil dizer quem trabalha para o governo federal e quem faz parte da polícia.
Seja como for, isso deixou de fazer diferença. Em uma cultura que preza a vingança, os policiais são vistos como representantes de todos aqueles homens mascarados -e do próprio governo.
Magomed Ataranov, 30, entendeu isso depois de passar cinco anos na polícia, quando ele e outros policiais foram ajudar uma mulher que tinha caído na rua.
No chão, a mulher os olhou com ódio e disse que desejava que todos fossem mortos. "Eu não esperava isso de uma mulher comum", disse Ataranov, que deixou a polícia um ano depois do episódio.


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