São Paulo, segunda-feira, 29 de março de 2010

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Lentamente, mudanças chegam a Mianmar

Por THE NEW YORK TIMES

PYAPON, Mianmar - Na lama seca do delta do Irrawaddy, operários soldam as últimas peças de um gasoduto que o regime militar diz que manterá acesas as luzes em Yangun, maior cidade de Mianmar, após anos de apagões debilitantes.
Moradores que durante anos se sentiam com sorte quando recebiam oito horas diárias de energia poderão, em breve, se dar ao luxo de possuir geladeiras que gelam e TVs que ficam ligadas.
Mas isso não fará muita diferença para uma certa moradora de uma rua de Yangun bloqueada pela polícia: Aung San Suu Kyi, 64, Nobel da Paz e dissidente mais conhecida do país, que vive em um mundo obscurecido, praticamente vedada de comunicação com qualquer um fora do seu complexo murado.
Essas são as realidades conflitantes em Mianmar hoje. Após anos de impasse e estagnação, a mudança está chegando, mas estritamente sob os termos da junta militar.
Há uma reservada esperança entre empresários e diplomatas de que Mianmar, ou Birmânia, como muitos ainda chamam o país, pode estar gradualmente se afastando dos anos de autoritarismo paranoico e de gestão econômica em estilo soviético, que deixou a maioria dos seus 55 milhões de habitantes na miséria.
Uma nova Constituição deve ser adotada neste ano, e a junta planeja as primeiras eleições em duas décadas. Analistas dizem que as eleições não devem ser totalmente competitivas nem limpas, mas podem levar os militares a descentralizar parte do seu poder.
"O país está em um crítico divisor de águas", disse o historiador Thant Myint-U, ex-funcionário da ONU. "Estamos claramente avançando para algo além de uma rígida hierarquia do Exército, com apenas um general no topo."
O que justifica a esperança em Mianmar são algumas melhorias e a perspectiva de os militares gradualmente deixarem a política -permitindo que os vastos recursos desse país, com terras tão férteis que já chegaram a alimentar grandes parcelas do império britânico, finalmente participem do dinamismo econômico que o cerca.
Os sinais de mudança abundam. Os militares, no poder há quase cinco décadas, autorizaram pela primeira vez o funcionamento de hospitais e escolas particulares. Venderam várias fábricas e bens estatais para amigos no setor privado e parecem estar suspendendo algumas das restrições punitivas à posse de automóveis e motocicletas. O país está dando passos para retomar suas combalidas -mas potencialmente lucrativas- exportações de arroz.
Visitas de economistas internacionais, inclusive equipes do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, costumavam ser "diálogos de surdos", disse um diplomata ocidental. Isso também mudou. Joseph Stiglitz, economista ganhador do Prêmio Nobel que visitou Mianmar em dezembro, disse que ministros e oficiais militares com os quais se encontrou estavam ávidos por conselhos sobre como estimular o crescimento e promover a iniciativa privada.
Ao menos uma mudança crucial será inevitável nos próximos anos. O recluso líder da junta, general Than Shwe, mestre em manter seus adversários desequilibrados, está com 78 anos e não tem um sucessor óbvio.
Uma explicação comum para a mudança de direção é que o general Than Shwe estaria desmantelando seu sistema de poder absoluto, pois não deseja que outro homem forte que venha a surgir prejudique sua família ou ameace a riqueza que ele parece ter construído ao longo de quase duas décadas no poder. A questão da sucessão é cármica para o general, que colocou seu antecessor, Ne Win, sob prisão domiciliar e teria supostamente lhe negado tratamento médico antes da morte dele, em 2002.
Thant Myint-U disse que as maiores tensões no país hoje ocorrem dentro das Forças Armadas, e não entre os generais e Aung San Suu Kyi e seu movimento pró-democracia.
"Fora do país, a situação é percebida como simples: o Exército está tentando perpetuar seu próprio regime", disse ele. "Dentro, todo o mundo sabe que uma intensa competição se dará dentro da elite, envolvendo não só os militares, mas também oficiais do Exército da reserva, altos burocratas e uma ascendente classe empresarial."
Sean Turnell, especialista em Mianmar na Universidade Macquarie, da Austrália, disse que as eleições criaram uma oportunidade de mudança econômica, situação que ele julga comparável à transição da Indonésia a partir do regime socialista, na década de 1960. "Não vejo isso como uma liberalização coerente", afirmou. "Mas mudanças econômicas parecem ter acontecido quase por acidente, e as pessoas estão agarrando o que conseguem."


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