São Paulo, segunda-feira, 29 de novembro de 2010

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Feitos para a distração

Lutando para aprender em um ambiente caótico

Novos estudantes funcionam diferente

JIM WILSON/THE NEWYORK TIMES
Em vez de fazer o dever de casa, Vishal Singh passa horas em frente ao computador. Ele realiza diversas tarefas ao mesmo tempo

Por MATT RICHTEL
Redwood City, Califórnia

Enquanto alguns pais e educadores manifestam preocupação sobre como os estudantes de hoje estão absorvidos pela tecnologia digital, muitas escolas dos Estados Unidos intensificam seu uso em sala de aula.
A tensão é claramente perceptível aqui na Woodside High School, que fica entre as florestas nas encostas do Vale do Silício.
Como em outros lugares, não é raro que os estudantes da Woodside enviem centenas de mensagens de texto por dia ou passem horas jogando videogames, e, virtualmente, todo mundo está no Facebook. Mas o diretor, David Reilly, 37, um ex-músico, está decidido a envolver esses estudantes do século 21 em seus próprios termos. Ele pediu que os professores criem websites para comunicação com os alunos, adotou aulas populares sobre o uso de ferramentas digitais para gravar música, garantiu financiamento para iPads para aulas de mandarim e conseguiu US$ 3 milhões em verbas para um centro multimídia.
"Estou tentando recuperar sua atenção de seus Blackberries e videogames", ele diz. "Até certo ponto, estou usando a tecnologia para fazer isso."
Uma consequência do impacto da tecnologia nos jovens, segundo pesquisadores, é o risco de desenvolver cérebros incapazes de manter sua atenção em algo. "Seus cérebros são recompensados não por se concentrarem em uma tarefa, mas por saltarem para a próxima", diz Michael Rich, um professor associado na Escola de Medicina de Harvard e diretor-executivo do Centro para Mídia e Saúde Infantil em Boston. "A preocupação é que estejamos criando uma geração de jovens diante de telas cujos cérebros vão funcionar de maneira diferente."
A tensão entre tecnologia e aprendizado é visível em Vishal Singh, um jovem de 17 anos cuja capacidade de se distrair com computadores rivaliza com sua eficiência no uso deles.
No início de seu primeiro ano colegial, ele ganhou nome entre os amigos e professores com suas histórias em vídeos feitos com câmeras digitais e software de edição. Ele atua como especialista em suporte técnico para sua família, ajudando seu pai, um gerente de laboratório, a recuperar documentos perdidos no computador e sua mãe, gerente de segurança no aeroporto de San Francisco, a construir seu site pessoal.
Mas ele também joga videogames dez horas por semana, envia regularmente atualizações do Facebook às duas horas da manhã, mesmo nos dias de semana, e tem tal reputação por distribuir links para vídeos. Seu melhor amigo o chama de "YouTube bully".
Os professores consideram Vishal um de seus alunos mais inteligentes. Mas ele se saiu mal em inglês e álgebra no semestre passado. E tirou a nota máxima em crítica de cinema.
"É um garoto apanhado entre dois mundos", disse Reilly -um mundo virtual e outro com exigências da vida real.
Vários estudos mostram que os jovens tendem a usar computadores domésticos para a diversão, e não para o aprendizado.
Allison Miller, 14, envia e recebe 27 mil mensagens por mês; seus dedos teclam em um ritmo enlouquecido enquanto conduz até sete conversas de texto ao mesmo tempo. Mas essa eficiência tem um preço: ela culpa a multitarefa por três notas sofríveis no boletim.
"Estou lendo um livro para a escola. De repente, recebo uma mensagem de texto. Faço uma pausa na leitura e deixo o livro. Pego o telefone para responder ao torpedo e, 20 minutos depois, percebo: 'Oh, esqueci de fazer o dever.'"
Alguns alunos mais tímidos não se sociabilizam através da tecnologia -eles recuam para dentro dela. Ramon Ochoa-Lopez, 14, um introvertido, joga seis horas de videogame nos dias de semana e mais nos fins de semana, deixando para fazer a lição de casa no banheiro antes da escola.
"É uma maneira de eu me separar", diz Ramon. "Se há uma discussão entre minha mãe e um de meus irmãos, eu simplesmente vou para meu quarto, começo a jogar videogame e escapo."
Alguns pais aprovam totalmente o uso do computador.
"Se você não está por dentro da tecnologia, não vai estar no topo do mundo", diz John McMullen, 56, um investigador criminal aposentado cujo filho, Sean, joga videogame durante quatro horas depois da escola e o dobro disso nos fins de semana. Ele jogava mais, mas descobriu que o hábito estava levando suas notas abaixo de um nível com que se sente confortável. Ele diz que, às vezes, prefere que os pais façam com que pare de jogar. Mas afirma que os videogames não são responsáveis por sua falta de concentração.
Sam Crocker, que tem notas excelentes em tudo, mas menores do que gostaria em testes de realização, culpa a internet.
"Sei que posso ler um livro, mas me levanto e vou checar o Facebook", diz.
Alguns neurocientistas têm estudado pessoas como Sam e Vishal. Pesquisadores alemães descobriram que jogar videogame levou a uma qualidade do sono muito menor do que assistir à televisão, além de um "declínio significativo" na capacidade dos alunos de memorizar vocabulário.
Na Universidade da Califórnia em San Francisco, cientistas descobriram que quando ratos têm uma nova experiência seus cérebros exibem novos padrões de atividade. Mas só quando os ratos fazem uma pausa, eles processam esses padrões.
Esses e outros estudos do cérebro sugerem aos pesquisadores que períodos de descanso são críticos para permitir que o cérebro sintetize a informação, faça conexões entre ideias e até desenvolva o sentido de individualidade. "Tempo de descanso é para o cérebro o que o sono é para o corpo", disse o doutor Rich, da Escola de Medicina de Harvard. "Mas os garotos estão em um modo de estimulação constante."
Vishal pode confirmar isso.
"Estou fazendo Facebook, YouTube, tendo uma conversa ou duas com amigos, escutando música ao mesmo tempo. Faço um milhão de coisas de uma vez", ele diz. "Às vezes, digo: preciso parar isto e fazer a lição de casa, mas não consigo."
Mas foi graças à internet, ele diz, que descobriu o cinema. Sem a internet, "eu também não saberia o que quero fazer da minha vida".
Os professores de Woodside estão divididos sobre se adotar os computadores é a solução certa.
"É uma catástrofe", disse Alan Eaton, um carismático professor de latim. Para ele, a tecnologia levou a uma "balcanização de seu enfoque e duração do vigor", e que as escolas agravam o problema quando adotam a tecnologia.
"Quando surgiu o rock'n'roll, não começamos a usá-lo nas salas de aula como estamos fazendo com a tecnologia", ele diz.
Reilly espera que os computadores possam ser combinados com a educação para envolver melhor os estudantes e lhes dar habilidades técnicas sem comprometer um pensamento analítico profundo. Mas, no caso de Vishal, os computadores e o dever de casa parecem cada vez mais mutuamente exclusivos. Marcia Blondel, uma professora de Vishal, diz que, depois de um início do ano escolar decente, ele recaiu nos maus hábitos.
Vishal diz que está se dedicando mais a seu cinema. Mas também está usando o Facebook tarde da noite e surfando à procura de vídeos. A prova disso está em uma série de atualizações do Facebook: sábado, 23:55: "editando, editando, editando". Domingo, 15:55: "8 horas de filmagem, 8 horas de edição. Tudo apenas para uma cena de 3 minutos. Mente = morta". Domingo, 23:00: "dia divertido, finalmente consegui passar um dia relaxando... mas o dever de casa..."


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