São Paulo, segunda-feira, 29 de novembro de 2010

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Pequenas dívidas assustam indianos

Governo planeja reestruturar sistema de microcrédito

Por LYDIA POLGREEN e VIKAS BAJAJ

MADOOR, Índia - O próspero setor privado da concessão de microcrédito na Índia está na iminência de um colapso, porque quase todos os devedores em um dos maiores Estados indianos pararam de pagar seus empréstimos, estimulados por políticos que acusam as empresas do setor de obterem lucros exagerados sobre os pobres.
A crise pode ter repercussões mundiais. Os bancos indianos, que disponibilizaram cerca de 80% do dinheiro que as empresas emprestaram aos pobres, têm quase US$ 4 bilhões vinculados a esse setor, segundo fontes financeiras.
Inicialmente feitos por ONGs, os pequenos empréstimos aos pobres, conhecidos como microcrédito, pareciam no passado um promissor caminho para tirar milhões da pobreza. Nos últimos anos, fundações, investidores e o Banco Mundial usaram a Índia como tubo de ensaio para "empreendimentos sociais" similares, porém voltados para o lucro. Negócios com mentalidade semelhante brotaram na África, na América Latina e em outras partes da Ásia.
Mas o uso das microfinanças na busca por lucros levou algumas empresas de todo o mundo a cobrarem juros exorbitantes e não levarem suficientemente em conta a capacidade de pagamento da sua clientela pobre. Algumas empresas conseguiram mais do que duplicar seu faturamento anualmente.
Reagindo à indignação popular -e aos crescentes relatos de suicídios entre inadimplentes-, os legisladores do Estado de Andhra Pradesh aprovaram uma rígida lei que restringe a forma como as empresas podem conceder e cobrar empréstimos.
Líderes locais pediram às pessoas que reneguem suas dívidas, e quase US$ 2 bilhões em empréstimos praticamente pararam de ser pagos no Estado. Os credores dizem que menos de 10% dos devedores fizeram seus pagamentos nas últimas semanas.
Se a tendência continuar, o setor pode entrar em colapso, num Estado onde vive mais de um terço dos seus clientes de toda a Índia. As empresas também estão com dificuldades no oferecimento de novos créditos em outros Estados, pois os bancos reduziram seus empréstimos para elas, com medo da onda de calotes.
Durgamma Dappu, viúva e trabalhadora braçal, contraiu um empréstimo numa empresa de microcrédito, pois queria construir uma casa.
Ela nunca havia tido conta em banco nem salário regular, mas recebeu um empréstimo de US$ 200, que teve dificuldades para pagar. Pouco depois, pegou mais um empréstimo, vindo de outra empresa, e outro, até que acumulava dívidas de US$ 2.000. Em setembro, ela fugiu da sua aldeia, deixando um terreno para a família penhorar.
"Essas instituições estão usando métodos bastante coercitivos para cobrar", disse V. Vasant Kumar, ministro estadual de Desenvolvimento Rural. "Elas não estão olhando para a sustentabilidade ou para como podem assegurar que o dinheiro vá para atividades geradoras de renda. Estão simplesmente ganhando dinheiro."
Reddy Subrahmanyam, funcionário do governo que participou da redação da lei de Andhra Pradesh, acusa as empresas de microfinanças de obterem "hiperlucros com os pobres" e disse que esse setor não é muito melhor do que a tão desprezada figura do agiota da aldeia.
"O agiota vive na comunidade", afirmou. "Pelo menos, você pode queimar a casa dele. No caso dessas empresas, elas pegam e saem correndo."
Parte da ira parece ter sido alimentada pela recente oferta inicial de ações da SKS Microfinance, maior microcredor com fins lucrativos da Índia, amparada por investidores famosos como George Soros e Vinod Khosla.
Vikram Akula, presidente da SKS Microfinance, defendeu a atuação do setor, dizendo que destruir as microfinanças resultaria em "nada menos do que um apartheid financeiro". As empresas indianas de microfinanças oferecem um dos juros mais baixos do mundo para pequenos empréstimos. Akula disse que sua companhia havia reduzido a taxa.
Vijay Mahajan, presidente da Basix, uma organização que oferece microcrédito, estima que apenas 20% das pessoas tenham contraído empréstimos além da sua capacidade de pagamento, e que só 1% delas enfrentem dificuldades sérias.
Segundo ele, o setor planeja criar um fundo para ajudar na reestruturação de dívidas.
A ativista social Ela Bhatt, presidente da Associação das Mulheres Autônomas, disse que as firmas de microfinanças perderam de vista o fato de que os pobres precisam não só de empréstimos mas também de assessoria empresarial e financeira.
O colapso desse setor teria severas consequências para os clientes, que podem se ver obrigados a novamente recorrer a agiotas.
K. Shivamma, 38, contraiu seu primeiro empréstimo na esperança de que as safras melhorariam após anos de seca.
"Quando você pega o empréstimo, eles dizem: 'Não se preocupe, é fácil pagar'" disse Shivamma. Agora, ela deve quase US$ 2.000. A TV, o telefone e os dois búfalos que comprou com um empréstimo foram vendidos há muito tempo. "Sei que é um círculo vicioso", disse, "mas não há escolha senão continuar".


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