São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

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Da fazenda à mesa, sem poluentes

Por ELISABETH ROSENTHAL

STERKSEL, Holanda - Os porcos e vacas que povoam as verdes planícies do sul da Holanda criam uma paisagem bucólica. Mas, quando vistos através das lentes da contabilidade dos gases estufa, são chaminés vivas que expelem metano para o ar. Foi por isso que um grupo de fazendeiros ambientalistas numa fazenda de pesquisas em Sterksel adotou uma abordagem nova à energia limpa. Os criadores cozinham o esterco de seus 3.000 porcos para capturar o metano contido nele e usam o gás para produzir eletricidade.
O projeto de Sterksel é um exemplo raro dos esforços nascentes para mitigar as grandes emissões de gases estufa geradas por animais domésticos. Mas, de acordo com cientistas, muito mais precisa ser feito, à medida que cada vez mais pessoas no mundo consomem carne.
Ao divulgar sua cifra mais recente sobre as emissões de gases, no mês passado, autoridades climatológicas da ONU citaram a agricultura e os transportes como os dois setores mais problemáticos.
"É uma área que vem sendo em grande medida ignorada", disse Rajendra Pachauri, diretor do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, premiado com o Nobel.
Segundo estimativas da ONU, o trilhão de cabeças de gado e animais domésticos existente no mundo gera 18% das emissões de gases que estão elevando a temperatura global -mais ainda que as emissões de carros, ônibus e aviões.
Diferentemente de outras indústrias, porém, como a produção de cimento e de energia, que enfrentam enormes pressões políticas e regulatórias para ficarem mais verdes, a pecuária de grande escala apenas começa a ser objeto de escrutínio.
As soluções high-tech propostas incluem as do projeto de Sterksel, chamado "captura de metano", além da criação de rações que façam as vacas expelir menos metano, gás que captura o calor com 25 vezes mais eficácia que o dióxido de carbono.
Outras propostas vão desde convencer os consumidores a comer menos carne até impor uma taxa especial sobre carne suína e bovina. No próximo ano, a Suécia vai começar a rotular os produtos alimentícios de modo que os consumidores conheçam as emissões de gases atribuídas às porções de diversos tipos de carne.
Mas propostas como essas são uma difícil tentativa de recuperar o atraso. Em grandes países em desenvolvimento como China, Índia e Brasil, o consumo de carne vermelha subiu 33% nós últimos dez anos. A previsão é que ela dobre em todo o mundo entre 2000 e 2050. A produção de carne requer a criação de novas áreas de pastagem e o uso de mais terras para o plantio de alimentos importados para o gado, especialmente a soja. Isso contribui para a derrubada de florestas, especialmente na América do Sul, roubando o mundo dos vitais "captadores de carbono" -as grandes extensões de árvore e vegetação.
"Não sei se o sistema que temos para a criação de gado pode ser sustentável", disse Pachauri, da ONU. Cientista pouco otimista, ele sugere que a solução "mais atraente" de curto prazo pode ser simplesmente que todos "reduzam o consumo de carne", mudança que, afirma, teria mais efeito que trocar para um carro híbrido.
No projeto de criação de eletricidade a partir de esterco em Sterksel, os resíduos de milhares de porcos são misturados com resíduos locais de alimentos e bombeados para dentro de tanques aquecidos. Dentro deles, bactérias liberam o gás natural contido nos resíduos. O gás é queimado para gerar calor e eletricidade.
A fazenda utiliza 25% da eletricidade, e o restante é vendido à companhia de eletricidade local. A pasta mineral que sobra é um fertilizante ideal que reduz o uso de fertilizantes químicos, cuja produção libera doses pesadas de dióxido de carbono.
O esquema vem rendendo frutos substanciais à fazenda: com a redução de suas emissões, ela vende créditos de carbono em mercados europeus e ainda lucra com a venda de eletricidade. Ganha fertilizante de graça e poupa US$ 190 mil por ano que seriam gastos com a remoção do esterco.
O coordenador do experimento, John Horrevorts, disse que há dezenas de fazendas desse tipo na Holanda, mas que o custo da tecnologia ainda a torna impraticável para os pequenos suinocultores. De fato, uma dúvida é se os consumidores poderão pagar mais pela carne sustentável.
"Tememos que outros países que não produzem de maneira verde, como o Brasil, possam nos prejudicar, vendendo por preços mais baixos", comentou Bent Claudi Lassen, presidente do Conselho Dinamarquês de Bacon e Carne.


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