São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

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Negócios verdes

Novela ‘verde’ está mais próxima de virar realidade

Por SCOTT TIMBERG

BERKELEY, Califórnia - Um livro pode ser obscuro e ao mesmo tempo influente. É o caso de "Ecotopia", romance cult dos anos 1970 originalmente publicado de modo independente pelo próprio autor, Ernest Callenbach.
O romance, que vem sendo redescoberto, antevia nosso presente ecológico: no meio de uma crise econômica, a região do noroeste do Pacífico se separa dos EUA, e seus cidadãos criam uma economia sustentável, algo como um cruzamento entre o socialismo escandinavo e uma ética "de volta à terra" típica do norte da Califórnia, que inclui o hábito de alimentar-se de produtos locais.
Bicicletas brancas ficam em locais públicos e são emprestadas livremente. Um riacho corre pela rua Market, em San Francisco. Os trens contam com receptáculos estranhos conhecidos como "latas de reciclagem". Uma mulher é a presidente desse país, que vai do norte da Califórnia até o Oregon e Washington.
"‘Ecotopia’ foi absorvido pela cultura popular quase imediatamente", comentou o professor Scott Slovic, da Universidade de Nevada em Reno. O livro foi um sucesso nos anos 1970, tendo vendido cerca de 400 mil exemplares nos EUA e mais no resto do mundo. Mas na década seguinte "Ecotopia" já parecia bom candidato a ser incluído numa cápsula do tempo dos anos 1970 -uma curiosidade que não deveria exercer impacto duradouro e provavelmente seria relegada ao esquecimento.
Hoje, porém, o livro vem sendo indicado cada vez mais como leitura em cursos universitários sobre meio ambiente, sociologia e planejamento urbano, e sua base de leitores vem crescendo para abranger setores diversos. Callenbach, que vive em Berkeley, Califórnia, está sendo convidado para dar palestras. A editora do livro, Bantam, vai lançar uma nova edição este mês.
Quando começou a trabalhar em seu romance, Callenbach, que hoje tem 79 anos, era editor de livros científicos na editora University of California Press. Ele passou três anos escrevendo o livro, enviando cada capítulo a especialistas para certificar-se de que os aspectos científicos fossem corretos. Depois disso começou o trabalho de verdade.
"O livro foi rejeitado por todas as editoras importantes de Nova York", contou Callenbach. "Algumas disseram que não tinha sexo e violência o bastante ou que não se percebia claramente se era um romance ou um texto de defesa de uma idéia. Alguém falou que a moda da ecologia já tinha acabado." Mas ele conseguiu dinheiro e imprimiu 2.500 exemplares. A primeira impressão vendeu, a seguinte também, e, depois de trechos terem saído na revista "Harper’s Weekly", a Bantam decidiu publicar "Ecotopia".
Ambientado no que parecer ser a virada do século 21 e narrado em colunas e na forma de um diário de um jornalista do fictício "New York Times-Post", o romance não é especialmente literário. Seus personagens são insípidos; a prosa é utilitarista. E falta sutileza à trama, na qual o narrador abandona sua atitude cética e mergulha na vida ecotópica, graças em parte a uma relação amorosa. Apesar disso, o livro continua a influenciar atitudes hoje.
Então, o que "Ecotopia" nos deu?
Muita coisa, acha Slovic, incluindo a idéia que cada parte do país tem um caráter ecológico distinto que deve ser cultivado. O foco do movimento verde sobre alimentos e produtos locais, além de sua ênfase sobre a redução do consumo de energia, também têm raízes em "Ecotopia", disse ele. Na realidade, boa parte de Portland, Oregon, com seu transporte público, seu planejamento para crescimento lento e seus restaurantes de comida local, pode parecer uma "Ecotopia" concretizada.
"As pessoas podem olhar o livro e dizer que suas idéias já nos são familiares sem se darem conta de que foi Callenbach quem originou boa parte de nosso pensamento atual sobre esses assuntos", disse Slovic.
O livro também tem seus críticas. Feministas o atacaram por tratar de jogos de guerra ritualizados, em que homens usam lanças para extravasar sua agressividade "natural", arrastando mulheres para a mata para celebrar.
Alguns leitores se sentiram incomodados pela maneira como os negros são excluídos da sociedade em "Ecotopia": a maioria vive em Soul City, mais pobre e menos ecológica que o resto do mundo criado por Callenbach. O autor disse que estava refletindo idéias nacionalistas negras da época, além do ceticismo com que a integração racial era vista no início dos anos 1970. "Hoje eu provavelmente escreveria o livro de maneira bem diferente", disse.
Callenbach espera que o livro encontre ressonância entre as margens verdes do movimento evangélico. Mas o sexo relativamente livre e a política de esquerda do livro podem limitar seu público nessa seara.
Seja como for, para Callenbach e seus fãs, "Ecotopia" é um projeto do futuro. "É difícil imaginar algo fundamentalmente diferente do que temos hoje", disse ele. "Mas, sem essas visões alternativas, ficamos apegados ao centro."
"E seria aconselhável nos prepararmos", acrescentou. "Precisamos saber para onde gostaríamos de ir."


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