São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2010

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DIÁRIO DE GAZA

Novo shopping center é manifesto palestino

Por ETHAN BRONNER

CIDADE DE GAZA - Perfumes de Hugo Boss, Dunhill e Givenchy estão expostos nas prateleiras da loja de cosméticos. Uma das duas lojas de roupas femininas apresenta um manequim na vitrine com uma camiseta rosa-choque e jeans de cintura baixa. Na geladeira do supermercado há sorvete Nestlé.
Famosa por sua pobreza, Gaza tem um shoppinng center novo em folha. Ele foi inaugurado em julho com festejos, em que câmeras de TV palestinas acompanharam autoridades do Hamas passeando orgulhosamente em torno de novas lojas cheias de produtos de luxo importados.
Para o Hamas, e para o grupo de investidores locais por trás do empreendimento, o shopping de dois andares, com ar-condicionado central e estacionamento subterrâneo, tem um profundo valor simbólico. É a prova, segundo eles, de que, apesar dos esforços israelenses e egípcios para isolar essa faixa costeira palestina, ela pode se desenvolver e prosperar.
Inas al Hayak, que trabalhava em uma loja de roupas femininas, lendo o Corão, disse que considera o shopping "um motivo de honra para Gaza". Vestida com recato muçulmano em uma loja de visual mais arrojado, ela acrescentou: "Ao abrir o shopping, rompemos o sítio. E continuaremos desafiando Israel de outras formas. Somos um povo forte".
Os mais acirrados defensores de Israel se apossaram do shopping. Mostrando fotos reluzentes das novas lojas, eles perguntam: esta é a terra de privação de que vocês ouviram falar? Como eles construíram o shopping se não é permitida a entrada de materiais de construção em Gaza? Quão ruim pode ser a situação de um lugar que acaba de abrir um shopping de luxo? Essas frotas de ajuda estão navegando para o lugar errado, dizem.
Com 1.000 m2, o Gaza Mall caberia completamente em um canto de uma grande loja ocidental. As escadas não rolam. A música de fundo é islâmica. Não há aparelhos eletrônicos ou eletrodomésticos à venda, nem telas de cinema. Seu primeiro andar é quase totalmente ocupado por um supermercado, uma raridade em Gaza.
Embora modesto, o shopping é agradável e alegre. Dezenas de milhares de pessoas já passaram por ele. Mas só uma pequena fatia da população pode comprar os artigos mais atraentes. "Isto é para a elite", disse Salahadin Abu Abdu, gerente do local.
Para quem alega que o estabelecimento prova que Gaza tem materiais de construção: o prédio tem 20 anos. Para os que descreveram o shopping como "gigantesco" e "futurista": ele é pequeno e meio antiquado. Para Danny Ayalon, vice-chanceler de Israel, que escreveu que o shopping "não pareceria deslocado em qualquer capital da Europa": pareceria, sim.
Mas a questão mais ampla -de que a pobreza em Gaza muitas vezes é mal interpretada, propositalmente ou não- é correta. O desespero ali não é o do Haiti ou da Somália. "Gaza não é pobre do modo como os estrangeiros pensam", disse a estudante Nida Wishah, 22, . "Não se pode comparar com a África."
É uma miséria de dependência, imobilidade e falta de esperança, e não de carência total. O movimento da frota não tem a ver com ajuda material; é sobre a liberdade palestina e o desafio a Israel.
E até os moradores de Gaza que não podem comprar no shopping se orgulham dele. "Aqui parece civilizado", disse Othman Turkman, 26, que pesquisava preços. "Não é para todo o mundo, é claro. Muita gente em Gaza é pobre e não pode curtir o shopping."


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