São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2010

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Relatos de tragédias tibetanas

Por EDWARD WONG

GYANTSE, Tibete - A fortaleza branca paira sobre os campos, um reduto em ruínas mas ainda imponente, debruçado sobre uma planície de semente de colza.
Uma batalha em Gyantse, em 1904, mudou o rumo da história tibetana. Uma expedição britânica liderada por sir Francis E. Younghusband, o aventureiro imperial, conquistou o forte e marchou para Lhasa, a capital, tornando-se a primeira força ocidental a devassar o Tibete e obter concessões comerciais de seus lamas.
A sangrenta invasão britânica fez os governantes manchu da corte Qing, em Pequim, perceberem que precisavam manter o Tibete sob seu controle, em vez de continuar a tratá-lo como um Estado vassalo.
Por isso, em 1910, bem depois da partida dos britânicos, 2.000 soldados chineses ocuparam Lhasa. Isso terminou em 1913, depois da desintegração da dinastia Qing, trazendo um período de independência de fato que muitos tibetanos citam como a base moderna de um Tibete soberano.
Os chineses comunistas tomaram o Tibete novamente em 1951. A China insiste em que o Tibete é uma parte "inalienável" do país e se apropriou da invasão de 1904 como mais um capítulo na longa história das tentativas imperialistas de desmantelar a China.
Nessa narrativa comunista, os tibetanos substituem os chineses que foram vítimas de potências estrangeiras na dinastia Qing.
"A população local resistiu aos britânicos lá", disse Dechu, tibetana do Departamento de Relações Exteriores de Lhasa que acompanhou jornalistas estrangeiros em uma recente turnê oficial. "Eles ofereceram grande resistência, por isso, [esta] é chamada de Cidade dos Heróis."
No final da década de 1990, quando o Reino Unido estava devolvendo Hong Kong à China, o governo chinês começou uma campanha de propaganda para salientar esse tema.
Um filme sobre a invasão britânica de 1904, "Red River Valley", foi lançado em 1997. Foi um sucesso e um programa obrigatório para autoridades e escolares.
"Também vi um musical, duas peças, outro filme e uma novela sobre o assunto, todos dessa época", disse Robert Barnett, estudioso do Tibete na Universidade Columbia, sobre o final da década de 90. Ele agregou que não havia visto qualquer referência na literatura tibetana a Gyantse como Cidade dos Heróis antes disso.
Depois, existe o museu no forte. Antes, uma placa em inglês o identificava como "Memorial dos Antibritânicos".
Então, o que aconteceu em Gyantse em 1904?
Após perder cerca de 900 homens em batalhas anteriores, os tibetanos fizeram seu último esforço no forte de Gyantse, chamado de dzong, ou jong, na língua local. Depois, eles perderam o prazo para render-se, e em 5 de julho os britânicos atacaram.
"A rendição do jong teria um efeito devastador para o moral tibetano", segundo "Trespassers on the Roof of the World" (Invasores no teto do mundo), uma história dos esforços ocidentais para devassar o Tibete, de Peter Hopkirk. "Havia uma antiga superstição de que, se um dia a grande fortaleza caísse nas mãos de um invasor, prolongar a resistência seria inútil."
Os britânicos chegaram a Lhasa em pouco tempo. Dois meses depois, na noite antes de deixar de Lhasa de vez, o coronel Younghusband foi até uma montanha e olhou à antiga cidade, onde experimentou uma curiosa revelação que o inspirou a fundar um movimento religioso, o Congresso Mundial das Fés.
"Nunca mais eu poderia pensar mal ou ser inimigo de qualquer homem. Toda a natureza e toda a humanidade estavam banhadas em um brilho cor-de-rosa radiante; e a vida no futuro parecia nada além disso, leveza e luz", escreveu em suas memórias.


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