São Paulo, segunda-feira, 30 de novembro de 2009

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Ensaio

O fim da crise pode estar na sua cabeça

Robert J. Shiller

É possível que, além dos estímulos fiscais e pacotes governamentais de socorro, a recuperação econômica que parece estar em curso esteja baseada em pouco mais que uma profecia que se autorrealiza.
Considere a seguinte possibilidade: depois de todos estes meses, as pessoas começam a pensar que já é hora de a recessão acabar. Essa própria ideia começa a gerar uma retomada de confiança, e algumas pessoas voltam a gastar -com isso, gerando sinais visíveis de recuperação.
Isso pode parecer absurdo e raramente é mencionado como explicação do comportamento de massas, mas é uma possibilidade que há muito tempo fascina os teóricos econômicos.
A ideia não é tão improvável quanto pode parecer. Como sabemos, as recessões normalmente não duram mais que dois ou três anos. A recessão atual começou em dezembro de 2007, segundo o Birô de Pesquisas Econômicas dos EUA; logo, já dura quase dois anos.
O simples passar do tempo pode alimentar nossa confiança, embora nenhuma análise estatística formal possa comprová-lo. É certo que as pessoas nem sempre acreditaram na existência de um "ciclo econômico" que começa e termina seguindo um padrão definido. Essa ideia começou a se difundir na década de 1920 e se desenvolveu nos anos 1930 -com a Grande Depressão.
O termo "recessão", mais brando, começou a ser empregado por volta da época da contração de 1937-38, para descrever um declínio normal no ciclo econômico. Em janeiro de 1938, o "Chicago Daily Tribune" propôs uma definição irônica de recessão, descrevendo-a como "um novo termo para designar uma depressão, cunhado por quem não gosta de admitir que ainda estamos em uma".
As pessoas fizeram tantas brincadeiras com o eufemismo que, em 1938, o presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, disse: "Não faz diferença para mim se a chamarem de recessão ou depressão".
As recessões, segundo o termo que passou a vigorar, implicavam em cronogramas que marcavam seu final previsto. Um diagnóstico de recessão é algo que pode ser visto com menos seriedade, como algo do qual vamos nos recuperar. Uma depressão passou a ser vista como outra coisa.
Foi apenas em 1948 que Robert K. Merton, sociólogo da Universidade Columbia, em Nova York, escreveu um artigo na "Antioch Review" intitulado "A Profecia que se Autorrealiza", usando a Grande Depressão como seu primeiro exemplo.
O termo "profecia que se autorrealiza" frequentemente é atribuído a ele, mas a ideia já era comum e corriqueira nos anos 1930.
Já tinha surgido um interesse, influenciado por modismos, não apenas na teoria do inconsciente de Freud, mas também nas teorias do psicólogo Émile Coué, que incentivava as pessoas a repetir em voz alta: "Estou melhorando cada vez mais a cada dia". Ele dizia que essa "autossugestão" reforçaria o eu inconsciente.
Ainda estamos usando aquele padrão de pensamento dos anos 1930, de maneiras importantes. Sentimos medo instintivo de comentários impensados sobre depressões e procuramos reforçar a confiança mútua. Gostamos da ideia de que todas as recessões se esgotam em seu devido tempo.
O pensamento de Coué caiu em descrédito, em grande medida, assim como aconteceu com boa parte da teoria antiga sobre os ciclos econômicos, mas as duas coisas ainda vivem em nossas ideias populares acerca de recessões.
Talvez tenhamos a esperança de que recorrer a eufemismos e acreditar nos cronogramas de recuperação econômica funcionem melhor para restaurar a confiança do que funcionaram na década de 1930.
O problema poderia ser formulado da seguinte maneira: ainda existe no ar uma dúvida incômoda quanto a se o evento atual é realmente apenas mais um exemplo daquela longa sequência de recessões. Em qual categoria mental se encaixa a contração atual: recessão ou depressão? É possível que ainda estejamos no ponto em que essa questão será decidida, para um lado ou para outro.
Na medida em que a teoria da profecia que se autorrealiza pode ser válida, há argumentos em favor de mantermos vigilância contínua para assegurar que eventos adversos não incentivem a difusão de comentários acerca da segunda categoria.


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