São Paulo, segunda-feira, 30 de novembro de 2009

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Julgamento expõe tensões na Turquia

Por DAN BILEFSKY

ISTAMBUL - Poucos na Turquia duvidam de que o caso começou com algo ameaçador: em junho de 2007, 27 granadas de mão e pavios foram encontrados no sótão de uma casa em um cortiço de Istambul.
Os investigadores alegaram que eram guardadas ali por um oficial ultranacionalista aposentado, e mais tarde elas foram ligadas a um complexo complô para um golpe de Estado.
Mas a pergunta que muitos se fazem, dentro e fora do país, é se o governo de inspiração islâmica está exagerando na ameaça para travar uma batalha maior contra o establishment secular desse país muçulmano moderado.
Desde 2007, 300 pessoas foram detidas durante a investigação de um grupo ilegal conhecido como Ergenekon, incluindo um autor de romances eróticos, generais quatro-estrelas e outros oficiais militares, professores, editores e figuras do submundo -algumas das quais não parecem ter cometido ofensa maior que defender o Estado secular na Turquia.
"O Ergenekon tornou-se um projeto maior, e sua investigação está sendo usada como instrumento para varrer a sociedade civil e limpar a Turquia de todos os opositores seculares", disse Aysel Celikel, ex-ministro da Justiça e presidente de uma instituição que financia a educação laica de garotas pobres.
"A democracia no país, o Estado de direito e a liberdade de expressão estão em jogo." Ao todo, 194 pessoas foram acusadas de tentar derrubar o governo como participantes do Ergenekon, o nome de um vale mítico da Turquia.
Os promotores alegam que elas pretendiam incitar rebeliões civis, assassinatos e terrorismo para criar o caos e minar a estabilidade da Turquia como trabalho básico para um golpe.
Seu julgamento, citado de modo geral pelo nome do grupo, tornou-se um dos mais explosivos na história moderna do país e cativou os turcos, desacostumados a ver segredos políticos divulgados publicamente.
O caso pôs em destaque as grandes tensões na Turquia entre uma elite secular, que tenta manter sua influência cada vez menor, e uma população crescente e cada vez mais assertiva de muçulmanos praticantes.
O caso está sendo observado de perto pela União Europeia, como um barômetro da adesão da Turquia aos padrões de justiça ocidentais. Ele ocorre quando as perspectivas de o país ingressar no bloco parecem diminuir.
Os proponentes da investigação afirmam que o julgamento é um acerto de contas histórico muito atrasado, que visa responsabilizar o que os turcos chamam de "o Estado profundo": um grupo obscuro de agentes ligados aos militares que teriam lutado contra os supostos inimigos do Estado desde a Guerra Fria.
Os militares, que se consideram os guardiões do Estado secular da Turquia, derrubaram quatro governos eleitos nos últimos 50 anos. "Ninguém tem direito de estabelecer uma milícia para derrubar um governo democraticamente eleito", disse Egemen Bagis, ministro de Relações com a UE.
A violência pela qual as autoridades culpam o Ergenekon inclui um ataque armado a um alto tribunal em 2006 e o bombardeio em 2007 de um jornal de esquerda de Istambul, o "Cumhuriyet".
Mas os críticos acusam os investigadores de exagerar em sua perseguição aos criminosos. Juristas dizem que os promotores detiveram dezenas de suspeitos sem acusação, e conversas incriminadoras interceptadas de telefones celulares, assim como documentos privados (incluindo cartas de amor) apreendidos durante as batidas, surgiram em jornais pró-governo e em sites da web.
Em um extenso estudo do caso para o Instituto Ásia Central-Cáucaso, centro de pesquisa em Washington afiliado à Universidade Johns Hopkins (EUA), o especialista em Turquia Gareth Jenkins notou o temor generalizado entre analistas ocidentais da Turquia de que o Ergenekon "represente um grande passo, não como seus defensores afirmam, para a consolidação da democracia pluralista na Turquia, mas para um Estado de partido único e autoritário".
Críticos dizem que o caso Ergenekon é um esforço concertado do partido Justiça e Desenvolvimento (no governo) para restaurar sua inquestionável credibilidade ao demonizar seus adversários.
"Eu acredito que as pessoas que esperam que o passado sombrio da Turquia seja esclarecido pelo Ergenekon ficarão desapontadas", disse Nedim Sener, jornalista que investigou o caso para o importante jornal "Milliyet" e que hoje teme também ser alvo da investigação. "Em consequência do Ergenekon, o sistema de justiça turco foi destruído."

Colaborou Sebnem Arsu



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