São Paulo, segunda-feira, 31 de agosto de 2009

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Natalie Angier
Ensaio


Cérebro se torna conspirador em ciclo de estresse

Em meio à crise econômica, você pode ter a terrível sensação de que a reação de estresse do seu corpo ganhou vida própria, autorreplicante e, em última instância, autodestrutiva. E essa sensação pode ser verdadeira.
Como se não fosse suficientemente ruim o fato comprovado de que o estresse crônico aumenta a pressão sanguínea, enrijece as artérias, deprime o sistema imunológico, aumenta o risco de diabetes e depressão, os pesquisadores descobriram que a sensação de estar altamente tenso pode reprogramar o cérebro de maneiras que promovem a sinistra persistência desse ciclo.
Em artigo recente na revista “Science”, Nuno Sousa, do Instituto de Pesquisa das Ciências da Vida e da Saúde da Universidade do Minho, em Portugal, e seus colegas descreveram experimentos em que ratos cronicamente estressados perderam sua esperteza e flexibilidade e adotaram rotinas conhecidas e reações decoradas, como apertar compulsivamente uma barra para conseguir bolinhas de ração.
Além disso, os distúrbios comportamentais dos ratos se refletiram em algumas mudanças complementares em seu circuito neurológico subjacente. Por um lado, regiões do cérebro associadas à tomada de decisões executivas e comportamentos dirigidos para metas tinham encolhido, enquanto setores do cérebro ligados à formação de hábitos haviam florescido.
Em outras palavras, os roedores agora estavam cognitivamente predispostos a fazer as mesmas coisas repetidamente, a dar voltas na mesma rodinha, em vez de buscar um caminho mais fácil. “Os comportamentos tornam-se habituais mais depressa em animais estressados do que no grupo de controle, e, pior, os animais estressados não conseguem recuperar os comportamentos dirigidos para metas quando esta seria a melhor abordagem”, disse Sousa. “Eu chamo isso de círculo vicioso.”
Robert Sapolsky, neurobiólogo que estuda o estresse na Escola de Medicina da Universidade Stanford, na Califórnia, disse: “Esse é um ótimo modelo para se compreender por que adotamos uma rotina e nos aprofundamos mais nessa trilha predefinida”.
A verdade, diz Sapolsky, é que “somos péssimos para reconhecer quando nossos mecanismos normais de atuação não estão funcionando. Nossa reação geralmente é fazer cinco vezes mais, em vez de pensar: talvez esteja na hora de tentar algo novo”.
E embora a perseverança possa ser uma característica admirável e essencial para o sucesso na vida, quando levada ao extremo torna-se repetição descontrolada, ou simplesmente perversidade. “Se eu experimentasse entrar para o mundo da dança moderna, depois das primeiras recusas a reação lógica poderia ser praticar ainda mais”, disse Sapolsky, autor de “Por que as zebras não têm úlceras”, entre outros livros. “Mas, depois de mil recusas, talvez eu devesse perceber que não é uma opção profissional viável.”
Felizmente, as mudanças no comportamento e no cérebro induzidas pelo estresse parecem ser reversíveis. Para incomodar os ratos a ponto de que sua reação ao estresse continuasse hiperativa, os pesquisadores expuseram os animais durante quatro semanas a fatores de tensão variáveis: choques elétricos moderados, ser engaiolados com ratos predominantes, períodos prolongados na água. Esses animais estressados cronicamente foram então comparados com outros não estressados. Os ratos estressados não tiveram dificuldade para aprender uma tarefa como apertar uma barra para conseguir ração, mas sim para decidir quando parar de apertar a barra, como os ratos normais faziam facilmente.
Mas, após quatro semanas de férias em um ambiente positivo, sem tensões e choques, os ratos antes estressados pareceram iguais aos do controle, capazes de inovar, discriminar e soltar a barra. As conexões sinápticas atrofiadas nas regiões decisivas do córtex prefrontal ressurgiram, enquanto as ramificações dendríticas do estriato sensomotor, ligado aos hábitos, recuaram.
Por que o cérebro estressado parece tender à formação de hábitos? Talvez para ajudar a colocar em “piloto automático” o maior número possível de comportamentos e se concentrar melhor na crise presente. Mas os hábitos podem se tornar rotinas entediantes, e, como observou a romancista Ellen Glasgow, “a única diferença entre uma rotina e um túmulo são as dimensões”.


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