São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 2011

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ANÁLISE

Retirada americana deixa para trás um Iraque ainda instável

Problemas orçamentários nos EUA reduziram as ambições militares e diplomáticas americanas no Iraque após a saída do contingente militar


A influência do Irã preocupa os EUA e alguns iraquianos


Por TIM ARANGO e MICHAEL S. SCHMIDT

BAGDÁ - Além da retirada final das tropas que o presidente Barack Obama anunciou em 21 de outubro, as dificuldades fiscais dos EUA estão exigindo um drástico recuo no planejamento de programas diplomáticos, econômicos e culturais antes considerados vitais para estabilizar o Iraque e afastá-lo da influência do Irã.
Ainda no último verão (no hemisfério norte), o Departamento de Estado havia planejado abrir um consulado de 700 pessoas na cidade ainda tumultuada de Mosul, no norte.
E na primavera, os EUA avançavam nos planos para ter um consulado na cidade etnicamente dividida de Kirkuk. Esses planos agora foram engavetados ou adiados indefinidamente, e os pedidos de alguns líderes iraquianos para que escritórios diplomáticos sejam abertos no sul dominado pelos xiitas, onde o Irã exerce uma grande influência, foram rejeitados.
Em conjunto, o encolhimento das ambições militares e diplomáticas dos EUA salienta a realidade de que um Iraque pós-América está tomando forma mais rápido do que muitos previam. Isso animou muitos iraquianos e americanos, cansados de mais de oito anos de guerra e ocupação, mas deixou outros temerosos.
"Os EUA não deveriam dar as costas ao Iraque", disse Labid Abawi, vice-ministro das Relações Exteriores. "O Iraque precisa dos EUA e os EUA precisam do Iraque."
A mudança no relacionamento ocorre em um momento delicado para o Iraque. As nações vizinhas passam por mudanças significativas. O Irã foi afetado pela Primavera Árabe, que depôs ou reduziu o poder de vários líderes de inclinação ocidental.
Ao mesmo tempo, a Síria vem sofrendo há meses distúrbios que os líderes iraquianos temem que possam extravasar a fronteira, reabrindo o que já foi uma rota de combatentes da Al Qaeda.
Internamente, muitas questões continuam sem solução. Vinte meses depois da eleição nacional, os principais blocos políticos do país não chegam a um acordo sobre quem deve dirigir os ministérios da Defesa e do Interior.
O Parlamento ainda não aprovou legislação sobre como as receitas nacionais de petróleo e gás devem ser divididas. A questão de se Bagdá ou a região curda devem deter o poder sobre Kirkuk também continua em aberto.
As autoridades americanas enfatizam que ainda querem uma grande intensificação dos programas diplomáticos e culturais -os blocos de construção do chamado poder brando.
Em 22 de outubro, a secretária de Estado Hillary Clinton salientou os laços que permanecerão -e emitiu uma advertência mal disfarçada ao Irã.
"Ao abrirmos este novo capítulo em um relacionamento com um Iraque soberano, dizemos aos iraquianos: os EUA estão com vocês enquanto vocês derem os próximos passos na jornada para consolidar sua democracia", disse Clinton à imprensa em Dushanbe, no Tajiquistão. "E para os países da região, especialmente os vizinhos do Iraque, queremos enfatizar que os EUA ficarão ao lado de nossos aliados e amigos, incluindo o Iraque, em defesa de nossa segurança e nossos interesses."
Mas a expansão da presença diplomática será muito menor do que se previa, vítima não apenas das restrições orçamentárias mas também da consciência de que a decisão de retirar os soldados americanos torna muito mais difícil para os diplomatas executar seu trabalho em segurança.
Os planos mais extensos do Departamento de Estado foram traçados em um momento em que as autoridades militares insistiam para manter 20 mil soldados no Iraque no próximo ano.
As reações em Bagdá foram discretas, um possível reflexo dos sentimentos dúbios no país. Muitos iraquianos -especialmente os da etnia curda, os intelectuais seculares e os sunitas que temem o poder xiita- manifestaram ansiedade sobre o fim da presença militar americana.
"O anúncio de Obama de retirar todas as tropas é uma vitória para os iraquianos, mas devemos estar conscientes das influências iranianas e suas tentativas de exercer o controle no Iraque", disse Haidar al Mulla, um portavoz e legislador do Iraqiya, o bloco político que ganhou a maioria dos assentos nas eleições parlamentares do ano passado. Mas outros, como os que recentemente comemoraram o fechamento de uma grande base americana em Mosul, só viam possibilidades na retirada.
Estudantes, poetas e autoridades locais levantaram a bandeira iraquiana em 24 de outubro e seguraram placas que diziam: "Parabéns à cidade de Mosul neste grande dia, o último soldado ocupante partiu".
As discussões ao longo do último ano sobre o futuro papel dos EUA no Iraque expuseram a capacidade reduzida dos americanos de moldarem o futuro do Iraque, assim como o relativo desinteresse de um Congresso consumido pelas questões internas.
Os planos do Departamento de Estado ainda precisam ser aprovados pelo governo iraquiano e receber financiamento do Congresso. O departamento solicitou US$ 6,2 bilhões para financiar suas operações no ano fiscal de 2012.
As perguntas sobre o futuro do Iraque são claras. Um governo frágil vai se inclinar para o autoritarismo, ou se tornará estável e democrático? Os EUA deixarão um legado positivo?
Christopher Hill, um ex-embaixador americano no Iraque, manifestou dúvidas sobre se algum nível de intervenção continuada poderia criar o aliado forte que os EUA esperavam fosse o legado da guerra.
"Podemos dizer que o Iraque é um aliado, mas uma invasão nunca é uma base muito boa para se formar uma aliança."

Com Omar al Jawoshy, de Bagdá, Steven Lee Myers, de Dushanbe, Tajiquistão e um jornalista do New York Times em Mosul, Iraque, que não terá o nome relado por questão de segurança


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