São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 2011

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INTELIGÊNCIA/ROGER COHEN

Protestos revelam a força das ideias em comum

Londres

Primeiro foi a República da Tahrir, um mini-Estado no meio do Cairo, naquelas duas semanas em que o povo egípcio se ergueu para derrubar a ditadura de Hosni Mubarak.
Observei como, com civilidade e um pouco ao acaso, a multidão na praça Tahrir se organizou: uma enfermaria aqui, uma cozinha ali, um serviço de coleta de lixo acolá, unidades de defesa, locais de oração.
Centenas de milhares de pessoas, da Irmandade Muçulmana a mulheres ocidentalizadas, recém-chegadas de Genebra, improvisaram a resistência -e venceram.
Outras microrrepúblicas se seguiram com o movimento "Ocupe...", que se inspirou na Primavera Árabe para montar acampamentos de Nova York a Londres.
Pela primeira vez em muitos anos, grandes protestos sacudiram as cidades ocidentais. Claro que essas manifestações -cujo espírito encontrou sua melhor tradução nos "indignados" espanhóis- não estão confrontando brutais Estados policiais como o de Mubarak, mas há muitas preocupações em comum.
Seja no Cairo ou em Milão, vozes se ergueram contra a impunidade dos poderosos, a crescente concentração de riquezas, a redução dos empregos, a corrupção e a humilhação. "Para os jovens não há amanhã", disse ao "The Guardian" a manifestante grega Jasmine Rapti. Os árabes exigiam ter pela primeira vez a sensação de que suas ações faziam diferença. Os jovens ocidentais também convivem com uma crescente sensação de impotência. Eles estão nas ruas para afirmar sua existência.
Como na praça Tahrir, a organização improvisada revelou-se eficaz. Em Londres, há um time de futebol, o Ocuppy FC. Há uma universidade oferecendo conferências regulares. Há uma cozinha, muita comida, abrigo e uma tenda tecnológica.
Um problema em relação à sociedade moderna e à internet é a desincorporação da existência, a dispersão das pessoas em universos solipsistas dominados por telas. O movimento "Ocupe..." é também uma reação a isso: um despertar para a possibilidade de se unir e provocar mudanças.
Tal despertar já transformou o mundo árabe. Mas há uma diferença básica entre os movimentos no Oriente Médio e no Ocidente. Os árabes lutam com um objetivo claro: forjar sociedades mais abertas, livres e representativas, com responsabilidade e transparência, e não mais sujeitas aos caprichos de um tirano. O negócio deles é criar.
Em Nova York e Madri, os manifestantes sabem contra o que eles lutam -banqueiros, capitalismo, terceirização, perda de empregos-, mas está bem menos claro a favor do que eles são.
A derrubada do capitalismo parece coisa do século 20, ou mesmo do 19. Reformar o capitalismo, contrabalançar seus aspectos mais duros, também é notícia velha.
Já se tentou isso na forma do Estado do bem-estar -e esses sistemas estão sob intensa pressão conforme as pessoas vivem mais. O foco real parece ser a reforma ou mudança da globalização, particularmente a forma como ela favorece os ricos, mas é claro que não existe um governo global para promover isso. Algumas ideias, como a taxação global de transações financeiras, estão aí há anos, mas são impraticáveis.
Às vezes, a história se acelera. A República da Tahrir deu lugar a algo mais confuso. O idealismo do momento não podia se sustentar. Os derrotistas, que acreditam haver algo de antidemocrático no genoma árabe, se sentem vingados. Afinal, um partido islâmico não acaba de vencer a eleição parlamentar na Tunísia?
Sim, e isso é bom, porque a mudança no mundo árabe não virá pela renúncia à fé, mas pelo casamento da fé com a modernidade. Os jovens muçulmanos querem sociedades abertas e democráticas, na qual o islã desempenhe um papel importante, mas não dominante: suspeito que tais sociedades irão gradualmente ganhar forma na Tunísia, na Líbia e no Egito. Haverá alguns reveses, mas a direção para a próxima década está estabelecida.
Da mesma forma, a globalização não pode ser revertida, mas precisa ser adaptada para se tornar mais equitativa. Isso é tarefa não só para o Ocidente, mas também para potências emergentes como China, Índia, Brasil e África do Sul, que permaneceram caladas sobre a Primavera Árabe, por conta de um antigo reflexo antiocidente.
Mas ser anti-Ocidente não basta mais. Eles precisam contribuir com suas ideias -e com sua nova riqueza- para lidar com as questões geradas pelo grande debate em curso da Tahrir a Wall Street.

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