São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 2011

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Pequenos truques para obter o melhor

Como o cérebro pode influir no desempenho

Por GINA KOLATA

Os ciclistas treinados pensavam ter pedalado o mais depressa que podiam. Mas Kevin Thompson, diretor de ciência do esporte e do exercício na Universidade Northumbrian da Inglaterra, questionava se eles poderiam ser ainda mais rápidos. Por isso, em uma experiência incomum, ele os enganou.
Em seu laboratório, Thompson e seu assistente Mark Stone fizeram os ciclistas pedalarem o mais rápido que conseguissem em uma bicicleta ergométrica pelo equivalente a 4.000 metros. Depois de fazer isso diversas vezes, os ciclistas pensaram que conheciam seus limites.
Então, Thompson pediu que os ciclistas corressem contra um avatar -a figura de um ciclista em uma tela de computador na frente deles. Cada atleta via dois avatares. Um era ele mesmo, movendo-se em um percurso virtual na velocidade em que estava realmente pedalando na bicicleta fixa. A outra figura se movia na velocidade da melhor tentativa daquele mesmo ciclista -ou era o que diziam aos esportistas.
Na verdade, o segundo avatar estava programado para rodar mais depressa do que o ciclista havia conseguido -usando 2% a mais de força, equivalente a um aumento de 1% na velocidade. Estimulados a disputar contra o que pensavam que fosse seu melhor tempo, os ciclistas acabaram se equiparando a seus avatares nos trajetos virtuais.
Embora um aumento de 2% na força pareça pequeno, é o suficiente para fazer uma grande diferença em um evento competitivo. Nos esportes de elite, um aumento de 1% na velocidade pode determinar se um atleta se classifica em uma corrida ou fica no pelotão de trás.
O que limita a velocidade em que uma pessoa consegue correr, nadar, pedalar ou remar? É apenas o corpo -os músculos fatigados simplesmente cedem em um determinado momento?
Ou o limite é definido por um "governador central" misterioso no cérebro, como o chamou Timothy Noakes, professor de ciência dos exercícios e esportes na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, que determina o ritmo, o esforço e o desempenho? Até recentemente, os fisiologistas do exercício se concentravam nos músculos, corações e pulmões dos atletas, perguntando se a fadiga vem porque o corpo atingiu seu limite.
Mas os próprios atletas há muito tempo insistiam que os fatores mentais são muito importantes. Roger Bannister, o primeiro corredor a superar a milha em quatro minutos, disse certa vez: "É o cérebro, e não o coração ou os pulmões, que é o órgão crítico. É o cérebro". Hoje pesquisadores estão criando estudos para aprender mais sobre a influência do cérebro no desempenho atlético.
Jo Corbett, professor de fisiologia do exercício na Universidade de Portsmouth, na Inglaterra, diz que em uma corrida o cérebro parece permitir que atletas utilizem mais profundamente os estoques de energia do que normalmente seria permitido.
"A competição é capaz de motivá-lo a mergulhar ainda mais fundo", disse Corbett. Mas deve haver um limite para a velocidade de um atleta, mesmo com a competição mais intensa ou com engano. Em um novo estudo, Thompson tentou encontrar esse limite usando o mesmo método: ciclistas em bicicletas ergométricas corriam contra um avatar que ia um pouco mais rápido que o melhor tempo do ciclista.
Em um grupo, a única variável era a competição. Os ciclistas eram informados de que o avatar iria 2% mais rápido ou 5% mais rápido do que o ciclista havia alcançado.
O outro grupo foi enganado. Cada ciclista foi informado para competir contra um avatar que se moveria tão rápido quanto o atleta havia conseguido em sua melhor tentativa. Na verdade, o avatar foi programado para correr 2% ou 5% mais depressa. Quando souberam que o avatar se movimentaria mais depressa do que eles, os atletas do primeiro grupo alcançaram apenas seus melhores tempos.
Os do segundo grupo se igualaram a seus avatares quando eles foram programados para desempenhar 2% melhor que cada atleta. Mas quando o desempenho exigido foi 5%, os atletas continuaram durante a metade da corrida e depois desistiram. No final, seu ritmo geral não foi melhor do que havia sido em sua melhor tentativa sem o avatar.
Alguns pareciam se sair ainda pior do que sua melhor tentativa. "Tudo tem a ver com a fé do atleta", disse Thompson. Dentro dos limites, se um atleta pensa que um certo ritmo é possível, ele ou ela pode encontrar uma reserva de energia que o cérebro geralmente mantém escondida.
Segundo Thompson, uma lição é que os treinadores podem obter melhores desempenhos de atletas por meio de pequenos engodos. Mas é uma abordagem arriscada. Segundo ele, até pequenos enganos podem desgastar a confiança entre atleta e treinador.


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