São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

RESENHA

Encontrando Arquimedes nas sombras

Um documento que tem séculos de segredos a revelar

Edward Rothstein

BALTIMORE, Maryland - A história do Palimpsesto de Arquimedes envolve o matemático grego do século 3 a.C. conhecido por seu brilhantismo brincalhão; seus escritos perdidos, descobertos mais de cem anos atrás num convento em Istambul e episódios que incluem saque, furto e falsificações desconcertantes.
A saga também passa por um mosteiro na Judéia, um livreiro judeu tentando fugir de Paris diante da chegada dos nazistas, um combatente francês e um colecionador bilionário.
No centro de tudo isso está um volume antigo cujo pergaminho foi reciclado para ser usado como livro de orações no século 13. No clímax, vemos documentos antigos, com as beiradas chamuscadas e marcadas pelas velas de monges, sendo estudado por 12 anos por uma equipe internacional, usando as técnicas de imageamento mais avançadas do século 21.
A história começa de fato com uma cópia do século 10 dos escritos de Arquimedes, do século 3 a.C. Três séculos depois, elas foram raspadas do pergaminho, que foi reutilizado, criando um chamado palimpsesto.
A história do livro é revelada em uma exposição que ficará até 1o de janeiro no Walters Art Museum, em Baltimore: "Lost and Found: The Secrets of Archimedes" (Perdido e encontrado - os segredos de Arquimedes).
Quase nada nessa história é banal ou ordinário. Em um livro que acompanha a exposição, "The Archimedes Codex" (o códice de Arquimedes), William Noel, o curador de manuscritos do museu, relata como a saga foi concluída.
Em 1998, depois de o Palimpsesto ter sido vendido a um comprador anônimo em um leilão da Christie's, por US$2 milhões, o diretor do museu sugeriu a Noel que tentasse descobrir quem o comprara e perguntar sobre a possibilidade de uma exposição no Walters.
No início da exposição, você se vê diante de duas folhas do Palimpsesto; só o que vê é um fragmento de um manuscrito arruinado, chamuscado, manchado e inscrito com orações.
Mas, linhas de texto avermelhado quase invisível correm em sentido perpendicular às orações. É possível divisar o espectro de um diagrama, uma espiral. Acima dessas folhas, uma série de slides mostra as mesmas páginas sob luzes coloridas que trazem vários detalhes à tona.
A justaposição demonstra o desafio representado pelo Palimpsesto e a tecnologia usada para explorá-lo. Depois de ser apagada, cada folha era girada 90 graus e dobrada em duas, de modo que cada página do texto de Arquimedes rendia duas páginas do livro de orações.
O livro de orações foi usado por séculos no Mosteiro de São Sava no deserto da Judeia. Em 1844, um estudioso bíblico o viu na Igreja do Santo Sepulcro em Istambul e percebeu o texto matemático escrito embaixo. Então, em 1906, o dinamarquês Johan Ludvig Heiberg, estudioso de Arquimedes, topou com o livro em Istambul e reconheceu vários tratados por baixo das orações.
Com isso, o Palimpsesto tornou-se a fonte mais antiga em existência dos escritos de Arquimedes e a única de duas obras até então desconhecidas, "Método" e "Stomachion".
Como parte do trabalho de restauração, a história do livro foi estudada, e o resultado é mostrado na exposição. Houve o impacto devastador da Primeira Guerra Mundial sobre as comunidades gregas de Istambul, que afetou grande número de artefatos. A exposição também chama a atenção para o fato de que em 1932 o Palimpsesto foi posto à venda por um negociante judeu em Paris, Salomon Guerson, que reconheceu sua importância. Mas não houve compradores.
A exposição sugere que Arquimedes criou "uma idealização radical de fenômenos do mundo real". Mas é possível, também, que ele soubesse que o mundo ideal de linhas retas e objetos regulares era apenas uma aproximação das curvas e complexidades do mundo real. Tais cálculos e aproximações estavam entre suas preocupações. Alguns enxergam neles a origem do cálculo do século 17 e de outros aspectos da matemática moderna.
E, ao longo de toda a exposição, vemos indícios de uma presença triunfal nas margens do mundo antigo, olhando para nós através de catástrofes e camadas acumuladas de destruição, e sobrevivendo - como faz o herói de qualquer thriller.


Texto Anterior: No Brasil, um mestre do horror
Próximo Texto: Ensaio: Etiqueta na era dos gadgets
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.