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A eleição já começou
Os jornais têm feito uma cobertura pobre, que se limita a fazer a crônica das convenções dos partidos e a registrar o dia-a-dia das campanhas
EM TEMPO DE COPA e de
Varig, a disputa presidencial só foi manchete
na Folha quando os candidatos se xingaram ou quando
saiu pesquisa eleitoral. E, no
entanto, foi neste período que
se encerra que ocorreram as
convenções partidárias que
definiram as alianças eleitorais e confirmaram os candidatos à Presidência.
O nível das convenções foi
baixíssimo, reflexo do momento político indigente que
o país vive, marcado pelos ataques e ofensas trocados entre
os candidatos e estados-maiores do PT e do PSDB. Bêbados,
corruptos, incompetentes,
preguiçosos, sem caráter, malandros, desnaturados, corjas,
ladrões, vozes do atraso, caluniadores -a lista de insultos
não tem fim.
Até os bispos reclamaram.
Não da imprensa, mas dos
partidos: "Não se vê um programa coerente, é um falando
dos podres do outro", disse
dom Antonio Celso de Queirós, vice-presidente da CNBB,
na quinta-feira. Deveria ter
incluído os jornais nas suas
queixas.
As convenções foram pobres, como soem ser, mas as
edições dos jornais não foram
muito diferentes. Como foi o
governo Geraldo Alckmin em
São Paulo? Como foi o governo Lula em Brasília? O que
Alckmin prometeu e não cumpriu? O que Lula prometeu e
não cumpriu? Fazem sentido
as novas promessas de Alckmin? Fazem sentido as novas
promessas de Lula? A disputa
tem outros candidatos que
tentarão romper a polarização
entre o PT e o PSDB. Quem
são?
Não devemos ser ingênuos e
acreditar que as convenções
tenham grande importância
no desenrolar das campanhas.
Mas são o momento em que os
jornais devem lançar as primeiras luzes sobre os candidatos e seus compromissos eleitorais, os públicos e os não revelados. Biografias, balanços
das gestões, programas de governo -esses enfoques, que
naturalmente deveriam emergir no momento em que os
candidatos a futuro presidente do Brasil se apresentam, foram esquecidos. Por isso, as
coberturas se limitaram a dois
aspectos: a crônica das convenções e as informações sobre as organizações das campanhas. A crônica pode ser resumida nas ofensas e nos xingamentos.
No caso da Folha, não é que
tenha ignorado as convenções. Elas foram cobertas, inclusive com bastante espaço
nos casos das presidenciais e
das paulistas. O problema foi o
enfoque, limitado à crônica e à
organização das campanhas.
Acho que alguns fatores podem ter contribuído para a cobertura empobrecida. Primeiro, o descrédito do jogo político, a idéia de que não vale a
pena investir recursos e energia em convenções que pouco
significam porque as alianças
e as estratégias de poder não
são decididas nos fóruns públicos, mas à margem e na
sombra.
Outro fator, na minha opinião, é que a energia principal
do jornal está voltada para a
Alemanha. A eleição só vai começar para a imprensa depois
da Copa. Mas, para o país, já
começou. Embora as atenções
de todos estejam voltadas para o futebol, o calendário político está correndo, as principais decisões estão sendo tomadas neste momento, os
grupos de interesses e as negociatas já estão acontecendo.
O time de cobertura das eleições já deveria estar reforçado.
O resultado é que os leitores
seguem sem ter uma visão
mais amarrada da corrida presidencial. E aí entra outro
ponto fraco na cobertura da
Folha até este momento, a falta de analistas políticos.
O jornal tem seis colunistas
analisando a Copa, três diariamente e três que se revezam,
mas não foi capaz de enviar
um só de seus analistas políticos para acompanhar as convenções e agraciar os seus leitores com um texto mais reflexivo, que contextualizasse o
momento de cada candidatura, que desvendasse as alianças e acordos, que os permitisse entender o que está acontecendo por trás das declarações
e dos fatos menores que não
sobreviverão.
Faltou análise, faltou reflexão, faltou mais bastidor.
A exceção
Há uma exceção nesta cobertura, a reportagem "Lula e
FHC distorcem dados ao comparar seus governos", de Gustavo Patu, publicada na terça-feira e que não mereceu, naquele dia, nem sequer um título na Primeira Página.
O repórter toma por base a
troca de desaforos e bravatas
entre Lula e Fernando Henrique Cardoso para mostrar que
nenhum tem razão: "Petista
desencava juros altos da gestão do PSDB, mas não explica
altas taxas atuais. Tucano acusa presidente de permitir uma
valorização excessiva do real,
sem citar que utilizou a mesma política em seu primeiro
governo".
Ao destrinchar as declarações e os números esgrimidos
nos confrontos entre PT e
PSDB, ao confrontá-los e esclarecê-los, a reportagem desmistifica as fanfarrices eleitorais e ajuda o (e)leitor a entender melhor a disputa presidencial. É uma exceção que
aponta um caminho para o
jornal numa campanha que
tem tudo para a ser uma das
mais pobres dos últimos anos.
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