São Paulo, domingo, 02 de julho de 2006

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A eleição já começou

Os jornais têm feito uma cobertura pobre, que se limita a fazer a crônica das convenções dos partidos e a registrar o dia-a-dia das campanhas

EM TEMPO DE COPA e de Varig, a disputa presidencial só foi manchete na Folha quando os candidatos se xingaram ou quando saiu pesquisa eleitoral. E, no entanto, foi neste período que se encerra que ocorreram as convenções partidárias que definiram as alianças eleitorais e confirmaram os candidatos à Presidência.
O nível das convenções foi baixíssimo, reflexo do momento político indigente que o país vive, marcado pelos ataques e ofensas trocados entre os candidatos e estados-maiores do PT e do PSDB. Bêbados, corruptos, incompetentes, preguiçosos, sem caráter, malandros, desnaturados, corjas, ladrões, vozes do atraso, caluniadores -a lista de insultos não tem fim.
Até os bispos reclamaram. Não da imprensa, mas dos partidos: "Não se vê um programa coerente, é um falando dos podres do outro", disse dom Antonio Celso de Queirós, vice-presidente da CNBB, na quinta-feira. Deveria ter incluído os jornais nas suas queixas.
As convenções foram pobres, como soem ser, mas as edições dos jornais não foram muito diferentes. Como foi o governo Geraldo Alckmin em São Paulo? Como foi o governo Lula em Brasília? O que Alckmin prometeu e não cumpriu? O que Lula prometeu e não cumpriu? Fazem sentido as novas promessas de Alckmin? Fazem sentido as novas promessas de Lula? A disputa tem outros candidatos que tentarão romper a polarização entre o PT e o PSDB. Quem são?
Não devemos ser ingênuos e acreditar que as convenções tenham grande importância no desenrolar das campanhas. Mas são o momento em que os jornais devem lançar as primeiras luzes sobre os candidatos e seus compromissos eleitorais, os públicos e os não revelados. Biografias, balanços das gestões, programas de governo -esses enfoques, que naturalmente deveriam emergir no momento em que os candidatos a futuro presidente do Brasil se apresentam, foram esquecidos. Por isso, as coberturas se limitaram a dois aspectos: a crônica das convenções e as informações sobre as organizações das campanhas. A crônica pode ser resumida nas ofensas e nos xingamentos.
No caso da Folha, não é que tenha ignorado as convenções. Elas foram cobertas, inclusive com bastante espaço nos casos das presidenciais e das paulistas. O problema foi o enfoque, limitado à crônica e à organização das campanhas.
Acho que alguns fatores podem ter contribuído para a cobertura empobrecida. Primeiro, o descrédito do jogo político, a idéia de que não vale a pena investir recursos e energia em convenções que pouco significam porque as alianças e as estratégias de poder não são decididas nos fóruns públicos, mas à margem e na sombra.
Outro fator, na minha opinião, é que a energia principal do jornal está voltada para a Alemanha. A eleição só vai começar para a imprensa depois da Copa. Mas, para o país, já começou. Embora as atenções de todos estejam voltadas para o futebol, o calendário político está correndo, as principais decisões estão sendo tomadas neste momento, os grupos de interesses e as negociatas já estão acontecendo. O time de cobertura das eleições já deveria estar reforçado.
O resultado é que os leitores seguem sem ter uma visão mais amarrada da corrida presidencial. E aí entra outro ponto fraco na cobertura da Folha até este momento, a falta de analistas políticos.
O jornal tem seis colunistas analisando a Copa, três diariamente e três que se revezam, mas não foi capaz de enviar um só de seus analistas políticos para acompanhar as convenções e agraciar os seus leitores com um texto mais reflexivo, que contextualizasse o momento de cada candidatura, que desvendasse as alianças e acordos, que os permitisse entender o que está acontecendo por trás das declarações e dos fatos menores que não sobreviverão.
Faltou análise, faltou reflexão, faltou mais bastidor.

A exceção
Há uma exceção nesta cobertura, a reportagem "Lula e FHC distorcem dados ao comparar seus governos", de Gustavo Patu, publicada na terça-feira e que não mereceu, naquele dia, nem sequer um título na Primeira Página.
O repórter toma por base a troca de desaforos e bravatas entre Lula e Fernando Henrique Cardoso para mostrar que nenhum tem razão: "Petista desencava juros altos da gestão do PSDB, mas não explica altas taxas atuais. Tucano acusa presidente de permitir uma valorização excessiva do real, sem citar que utilizou a mesma política em seu primeiro governo".
Ao destrinchar as declarações e os números esgrimidos nos confrontos entre PT e PSDB, ao confrontá-los e esclarecê-los, a reportagem desmistifica as fanfarrices eleitorais e ajuda o (e)leitor a entender melhor a disputa presidencial. É uma exceção que aponta um caminho para o jornal numa campanha que tem tudo para a ser uma das mais pobres dos últimos anos.


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