São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

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OMBUDSMAN

"Balas perdidas"

BERNARDO AJZENBERG

O título acima é emprestado de um estudo sobre o "comportamento da imprensa brasileira quando a criança e o adolescente estão na pauta da violência".
Trata-se de um trabalho da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), em parceria com outras instituições.
Analisam-se dados do cruzamento de informações de 1.140 reportagens publicadas entre 1º de julho de 2000 e 30 de junho de 2001 em 46 jornais de 24 Estados.
O diagnóstico é desanimador: "A mídia brasileira não atinge o alvo da boa cobertura, ferindo o direito do leitor por uma informação propositiva e de qualidade sobre a violência que envolve crianças e adolescentes".
Segundo a pesquisa, 80% das reportagens se fazem com base em boletins de ocorrência das delegacias, o que significa não ter havido, nesses casos, "processo tramitado e, consequentemente, não há agressores comprovados".
Mais um dado: 96% das reportagens são apenas informativas, num tipo de jornalismo que, avalia o texto, "faz da crueza descritiva um fim em si mesmo".
Num ranking baseado em critérios qualitativos das matérias, a nota mais alta atingida por um jornal foi 39,1 (num máximo de 100). Algo estarrecedor.
Registre-se que o campeão, no caso, é o "Jornal do Tocantins".
A Folha, com 38,2, vem em terceiro lugar, atrás do "Globo" (38,5). O "Estado de S.Paulo" (31,9) aparece em 15º; e o "Jornal do Brasil", para ficar nos chamados principais jornais de circulação nacional, ocupa nesse ranking a 7ª posição (nota 34,7).
Outro aspecto enfatizado pela Andi em seu levantamento diz respeito à ausência e à omissão da mídia no debate sobre o problema da violência envolvendo crianças e adolescentes.
De todos os textos analisados, 94,3% são apenas descritivos. Quer dizer: há pouquíssimas entrevistas, artigos, editoriais ou colunas discutindo a questão.

Malícia e debate
A cobertura policial ou da violência é uma das mais difíceis e sujeitas a armadilhas. Exige, de fato, malícia e reticência.
Caso contrário, o jornalista corre o risco de ser instrumentalizado por delegados ou policiais -como em todo ofício, entre esses existem os maus e os bons profissionais- , com graves consequências para vítimas ou supostos agressores.
O dado de que o noticiário sobre o assunto tem-se calcado, na sua grande maioria, exclusivamente em informações policiais deve, portanto, servir de alerta.
Além disso, claro que jornal não é governo, não é partido político nem instituição beneficente. Mas, sem dúvida, uma das expectativas da sociedade é que a imprensa contribua mais do que tem feito -como revela o estudo- para o debate a respeito de uma de suas faces mais tristes e cruéis.


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Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
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