São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2009

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CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA - ombudsman@uol.com.br

Quando é preciso chocar sem morbidez


Fotografias chocantes podem ajudar a manter vivos na memória coletiva horrores inomináveis e, com isso, dificultar a ocorrência de similares

DESDE O CASO da morte de Isabella Nardoni, em abril, o ombudsman não recebia tantas mensagens sobre um mesmo assunto numa semana, como nesta, de Ano-Novo, sobre o conflito entre Israel e palestinos.
Como é natural, com grande carga de emoção em todas e clara divisão entre as que veem no jornal proteção para um ou outro lado.
Dois leitores se queixaram de fotos de crianças mortas. Zuleika Haddad perguntou: "Por que a Folha precisa estampar foto de uma menina de 4 anos em seu funeral?". Geraldo Pietragalla Filho argumentou que as fotos "em nada contribuem para a compreensão dessa guerra insana; são manifestações mórbidas".
A morbidez deve ser evitada a todo custo, e o jornal precisa tomar muito cuidado com isso. Não acho que tenha esbarrado nela por enquanto.
Imagens fotográficas chocantes podem servir a propósitos humanitários e ajudar a manter vivos na memória coletiva horrores inomináveis e, com isso, dificultar a ocorrência de similares.
Como as dos prisioneiros dos campos de concentração de Auschwitz e Dachau, das deformidades provocadas em crianças pela poluição na baía de Minamata, das torturas impostas a prisioneiros iraquianos por soldados dos EUA em Abu Ghraib, dos efeitos de bombas de napalm sobre civis sul-vietnamitas, como a garota Kim Phuc, na foto acima, feita por Nick Ut, em 1972.
Não é agradável ver essas cenas. Mas às vezes é indispensável.
Quanto à cobertura em palavras do que vem ocorrendo em Gaza, a Folha começou muito mal. No sábado, enquanto os primeiros ataques aéreos ocorriam e prenunciavam o que viria, o jornal circulava com a avaliação de que a expectativa era a de que as tensões arrefecessem depois de Israel ter permitido a chegada de medicamentos e alimentos a Gaza.
Foi o contrário que ocorreu. Nunca é bom para um jornal antecipar algo e ocorrer o oposto. Mas faz parte dos riscos desta atividade.
O importante é que a Folha entendeu logo a importância dos fatos e melhorou muito ao longo da semana no seu acompanhamento. Na segunda, já estava na fronteira de Israel com Gaza seu enviado especial, que tem oferecido ao leitor o que só um jornalista do próprio veículo consegue fazer: mostrar os acontecimentos da perspectiva de real interesse do público específico.
A preocupação com o equilíbrio tem sido ostensiva. Sempre saem artigos em defesa dos dois lados em espaço comparável, descrevem-se as condições de vida dos habitantes das duas áreas (apesar da proibição à entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza), o texto de Adrian Hamilton, do "Independent", na sexta, sobre as causas do conflito, é exemplarmente isento.
Ainda falta muito a fazer, inclusive analisar com mais profundidade as posições do governo brasileiro e suas pretensões. Não será possível agradar a todos os leitores. Mas o caminho que o jornal vem seguindo é o certo.


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Carlos Eduardo Lins da Silva é o ombudsman da Folha desde 22 de abril de 2008. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Carlos Eduardo Lins da Silva/ombudsman, ou pelo fax (011) 3224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue 0800 0159000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


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