São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

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Matéria paga

A Folha noticiou, no domingo passado, que alguns deputados federais admitiram ter usado parte da verba indenizatória a que têm direito para a compra de reportagens favoráveis em órgãos de imprensa regionais. O jornal citou dois casos, o do líder da bancada do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), e o de Osvaldo Reis (PMDB-TO).
Assessores do deputado Osvaldo Reis informaram ao jornal que parte da verba é utilizada para pagar notas na imprensa da região onde ele atua, no Tocantins e no sul do Maranhão. Está na Folha e não havia sido desmentido até sexta-feira: "De acordo com eles [os assessores], se não houver pagamento, não sai nenhuma notícia sobre o deputado na imprensa local. Uma vez remunerados, rádios e jornais (...) reproduziriam na íntegra as informações prestadas pelo gabinete do deputado".
O caso mais grave é o do deputado Henrique Eduardo Alves, por combinar a atividade de parlamentar com a de diretor-presidente de um diário, a "Tribuna do Norte", de Natal, filiado à Associação Nacional de Jornais (ANJ). Na conversa que teve com a Folha, ele admitiu que paga (com dinheiro público) para o seu jornal publicar notícias sobre suas atividades políticas. "Não é um contrato formal. Eu pago e eles dão recibo", explicou.
Assim, a "Tribuna do Norte" noticiou com destaque sua reeleição para a Câmara, a eleição para a liderança do PMDB, a sessão inaugural da Câmara que presidiu por ser o deputado mais antigo e publicou entrevista sobre o apoio do PMDB ao governo Lula.
É um episódio que envergonha a política e envergonha o jornalismo. A prática admitida é grave tanto sob o ponto de vista da ética jornalística como do ponto de vista da ética política -embora seja fato que pouca atenção se conceda a tais detalhes.
O artigo 9º do Código de Ética das empresas jornalísticas obriga os jornais a "diferenciar, de forma identificável pelos leitores, material editorial e material publicitário". O artigo 3º determina que devem "apurar e publicar a verdade dos fatos de interesse público, não admitindo que sobre eles prevaleçam quaisquer interesses".
Não é a primeira vez que a imprensa é flagrada vendendo publicidade como se fosse notícia. A prática é infame porque ludibria os leitores (no caso, com verba pública). A conseqüência é que deteriora ainda mais a imagem dos políticos e esgarça a credibilidade da imprensa.
O que impressiona agora é a falta de ação dos que deveriam repudiar a prática. Na Câmara, o presidente Arlindo Chinaglia (PT-SP) avisou que vai "estudar" o caso e sugeriu um debate. E a ANJ, sempre tão célere em manifestações públicas, só pretende se posicionar depois da reunião da diretoria marcada para o próximo dia 14, quase três semanas depois do fato.
A "Tribuna do Norte" passou a semana em silêncio. Até sexta-feira seus leitores ignoravam a reportagem da Folha.


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